Parece que temos o mundo na palma das nossas mãos à distância de um clique. Em casa, no trabalho, na escola ou até na rua.
Até podemos ter esta sensação mas não passa de uma falsa sensação.
A internet não consegue transmitir o toque, o cheiro, o sabor, a empatia ou os afectos.
No processo de globalização as pessoas poderão estar todas ligadas numa rede virtual mas não estarão numa rede relacional.
Como podemos iniciar uma nova amizade, no plano real, senão saímos à rua?
Este é o grande desafio que temos pela frente que passa por conseguir conciliar o mundo virtual com o mundo real permitindo uma circulação fluída de empatia e de afectos.
As crianças deixaram de brincar na rua passando a brincar na internet, em rede, com os amigos, os colegas e os vizinhos contudo não me parece que estas relações possam ser consideradas bilaterais porque cada um está na sua casa. Estas relações serão sempre incompletas porque falta a troca de olhares, os sorrisos, os afectos ou os abraços.
Todos nos lembramos das histórias que os nossos avós nos contaram à lareira nos serões em família. Histórias de vida que enriqueceram para sempre as nossas vidas moldando a nossa personalidade e carácter assente em princípios, valores e na ética que hoje rareiam.
O efeito transgeracional que poderemos hoje denominar de “contar de histórias” continua a ser fundamental para um desenvolvimento equilibrado dos mais jovens e para que os mais velhos não entrem num processo de isolamento e solidão mas terá que ser obrigatoriamente adaptado aos novos tempos.
Não podemos correr o risco de dizer que as coisas no nosso tempo é que eram fantásticas e que agora tudo é mau na era digital.
Temos que nos adaptar aos novos tempos e acompanhar a nova realidade.
Uma das medidas para combater este corte entre gerações passará por lutar contra a “bedroom culture” evitando o uso das novas tecnologias nos quartos das crianças, adolescentes e adultos.
É importante que o uso das tecnologias seja feito num espaço comum favorecendo e estimulando o envolvimento parental e familiar. Este, por sua vez, tornar-se-á fundamental para a atenuação da utilização excessiva das tecnologias prevenindo os riscos negativos que daí poderão resultar.
Até neste domínio os efeitos da evolução digital que poderão ser considerados antagónicos deverão ser complementares.
Numa perspectiva transgeracional teremos que saber conciliar o desenvolvimento digital entre os mais novos e os mais velhos.
Mas neste âmbito arrisco-me a dizer que a sociedade está a falhar de modo transversal.
E como é quando se chega à idade terceira ou quarta idades? Quando se olha para o lado e verificamos que tantos dos nossos mais próximos já partiram e ficamos sós.
O governo inglês identificou os riscos da solidão na sequência de um estudo da deputada britânica Jo Cox do Partido Trabalhista, falecida, em 2016, de forma trágica na sequência de um atentado perpetrado por um activista de extrema direita.
Na sequência deste trabalho a ex-primeira-ministra britânica, Theresa May tomou a decisão de criar o Ministério da Solidão. E penso que tomou uma medida acertada.
Há estudos que demonstram que a solidão é mais nefasta que o consumo de 15 cigarros por dia. Que tem repercussões graves na saúde ao nível emocional mas também físico.
A solidão é actualmente uma epidemia social, em muitas situações oculta, transversal à sociedade moderna que a pandemia veio acentuar.
Não podemos nem devemos falar apenas de solidão nos mais velhos.
Este será o primeiro passo para abordar de forma errónea o problema da solidão, um dos maiores flagelos sociais que afectam a sociedade contemporânea.
A solidão existe nas crianças quando os pais delegam na escola, nos smartphones ou nos videojogos a educação e o crescimento dos filhos.
Mas a solidão também existe nos jovens a que chamamos solidão de procura.
E nem os adultos escapam, em muitos casos, fruto dos divórcios.
Ao ser humano está inerente a necessidade do encontro físico, do contacto efectivo, da partilha real, do ombro amigo. A prova disso mesmo é o crescimento exponencial de redes sociais de encontros como o Tinder, o Whim, o Eharmony, entre muitas outras.
Hoje, como forma de combate à solidão, ouvimos falar de novos conceitos como o cohousing ou habitação colaborativa.
Estes conceitos tiveram origem há décadas nos países nórdicos com o objectivo de estimular a entreajuda nas diferentes etapas da vida constituindo-se como uma alternativa para as pessoas que não querem terminar os seus dias num lar de idosos.
No nosso país começam a ser dados os primeiros passos na implantação destes novos conceitos.
A Associação Hac.Ora, presidida por Nuno Cardoso, ex-presidente da Câmara Municipal do Porto, defende o conceito de cohousing de modo a combater, de forma transversal a jovens, adultos e idosos, o problema da falta de oferta habitacional e a solidão
O problema da solidão é um flagelo social que afecta transversalmente a sociedade com efeitos nefastos na saúde e no quotidiano dos nossos concidadãos.
Um grave problema social que deve ser abordado numa perspectiva multidisciplinar com a coordenação política de uma única entidade em colaboração estreita com os parceiros sociais e económicos.
O mundo está a evoluir vertiginosamente, as políticas têm que acompanhar de forma ágil e moderna os problemas associados aos novos tempos sob pena de falharem de forma absoluta com efeitos irreversíveis na vida das pessoas.
Gostava de ver na orgânica do governo, que irá sair das eleições Legislativas de 30 de Janeiro, a criação do Ministério da Solidão.
Paulo Vieira da Silva
Gestor de Empresas / Licenciado em Ciências Sociais – área de Sociologia
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Nota: adaptação do artigo de minha autoria publicado, no dia 16 de Abril de 2019, no Portal de Notícias do Grupo Impala.