A mais bela corrida do mundo.
Domingo, meia maratona do Douro (EDP).
Dizem que é a mais bela corrida do mundo e não me custa a acreditar.
Em Portugal sou devoto do Alentejo e do Douro.
Vivo na planície do Ribatejo, entre a charneca e o montado, rodeado de rios e valas, diques e touros, cavalos e gente feita ao quente do sol.
Também gosto das Beiras.
Também gosto do Litoral, da costa.
Gosto, mas gosto muito, do Alentejo e do Douro.
É lá que se corre, domingo, a mais bela corrida do mundo.
E, a mais bela porquê?
Em primeiro lugar, porque é assim que os organizadores a definem.
Em segundo lugar, porque é assim que a imprensa internacional a olha.
Em terceiro lugar, porque o Douro é um quadro de El Greco, na plenitude.
Em quarto lugar, porque sim, porque o Território tem que ser valorizado.
Esta corrida promove o Território, a sua cultura, a sua dinâmica e genética, a sua gente.
Uma corrida que faz tanto por todos, que ultrapassa burocracias, interesses, obstáculos, inércias.
Esta corrida, estarei presente, porque eu gosto de correr, promove o Douro, com toda a vida e com toda a actividade humana e produtiva que as suas águas contemplam e as suas encostas observam.
Promove o belo, talvez por isso seja a mais bela de todas.
Haverá algum outro sítio na Terra onde as encostas criam desenhos alinhados, serpenteando a sua pele, a sua terra, como se uma máquina gigante os desenhasse?
Nem uma mão gigante o faria.
Haverá algum outro sítio na Terra onde estes desenhos tenham sido feitos com tinta que vem do suor, traçados por braços fortes, quais canetas imaginárias?
Tudo feito à mão, desde os tempos mais remotos.
Com tudo o que isto encerra;
é isto o Território.
Mas, nós só damos conta, quando saímos da bolha das grandes cidades e nos quedamos por lá, durante uns dias.
Foi o que fiz, há pouco tempo.
Fui passar uns dias ao Douro, justamente no mesmo local onde no domingo será dado o tiro de partida para a mais bela corrida do mundo.
Nesses dias que por lá estive, consegui sentir a distância, a interioridade, o afastamento. Não foi difícil.
Mas, também observei a dinâmica, a vontade, o desenvolvimento local, as cidades com vida, as universidades, a beleza dos edifícios e das paisagens, a simpatia genuína das pessoas, e fiquei com a convicção que não temos, de todo, a noção de Território, do que ela encerra, em si mesma.
Quem lá vive tem-na.
Não nos esqueçamos que durante os tempos, o Douro era um rio bravo, de curvas apertadas, rochas e violência, a mesma que impelia os homens a subirem as encostas e a desenharem a natureza bruta.
Indomável.
O rio vive ali, em baixo das encostas, mas é da agricultura que vivem os homens e as mulheres.
A agricultura é, segundo penso, um dos sectores em que se devia apostar estrategicamente.
Já se perdeu tempo demais. Agora tem que ser a correr, mas correr exige estratégia, técnica, capacidade e sacrifício.
Portugal também é um país de agricultores.
A agricultura encerra em si o todo, a história, a ciência, a arte, a cultura, os costumes, o vinho e as vinhas, no caso do Douro de que falo.
As gentes e a terra.
E, hoje, ao escutar o presidente da república, sobre a agricultura e a sua sustentabilidade, em todos os níveis que aqui referi, e sobre como deve ser traçada a estratégia, para que essa sustentabilidade dê frutos, fiquei a entender melhor esta questão do Território.
Aprendi, em alguns minutos, com o presidente da república, sobre como catapultar a agricultura, do que em anos de soundbites televisivos.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, e de acordo com representantes do sector, existe já uma estratégia para a sustentabilidade da agricultura, como aposta, que tarda.
Pelo menos na cabeça do presidente existe.
Até porque Marcelo participa no roteiro para a agricultura, o que já diz muito sobre a posição e ideias do presidente.
Ele “acredita que as grandes iniciativas começam por ser pequenas”, justificando a sua aparição no evento desta manhã.
E, é simples a estratégia, logo, aparentemente exequível.
Ela assenta em apenas três pressupostos, que emanam todos eles de uma só ideia: intensificação sustentável e eficiência na utilização dos recursos.
O presidente entende que é assim.
Ele conhece o Território e a sua génese, os seus condicionalismos e potencialidades, a sua história e os seus costumes.
É por isso que voltou ao futuro, à corrida mais bela do mundo.
Ela é uma alavanca que permite olhar, de fora, sobretudo, para o Território, seja dentro de dentro de um gabinete, seja desde as encostas, onde irei correr no próximo domingo.
Porque a corrida é muito mais que correr. É por isso corro.
Por isso, alguma confusão me provocou o facto de o túnel do Marão ter sido finalmente inaugurado debaixo de críticas várias.
Acresce que não há região que resista à erosão da distância sem vias de acesso, para ir e voltar.
No caso do Douro, o rio não não se deixa navegar, as estradas são por isso a única e principal alternativa. Parece óbvio.
Um amigo meu, amante do Douro, paixão que lhe corre nas veias, por acaso até é o mentor e principal responsável pela meia maratona, escrevia há dias, numa legenda de uma foto do túnel do Marão, que publicou no Facebook, qualquer coisa como isto:
“Ainda há pouco estava no Porto, já estou em casa”.
Ao ler o comentário senti que foi um pulinho.
Curiosamente, quando passei os tais dias no Douro, no Peso da Régua, almocei com esse amigo, e durante o almoço demorado, que o cabritinho de Armamar deve ser degustado sem pressas, questionei-o sobre a sua capacidade de mobilidade.
Ele é um globetrotter à escala.
Eu acompanho a actividade dele, através do Facebook, e se algum dia ele for Papa, quilómetros em viagens já não lhe falta, acredito até que nenhum Papa já quilometrou tanto quanto ele, sobretudo num raio de acção assim tão restrito, como é Portugal.
Ele é Lisboa, Guimarães, Porto, Vila Real, tudo em um dia.
Armamar, Régua, Coimbra, eu sei lá, tudo em outro dia.
O homem não pára.
E, não pára, porque ele entende que tem uma missão, durante esta passagem pela terra; promover, divulgar e desenvolver a região do Douro, na verdade, uma das mais belas do mundo.
O que um homem faz por amor!
Por isso, a foto que ele publicou do túnel, transmite uma sensação de alívio.
Foi um pulinho.
Ainda há um mês era uma hora, pelo menos.
Aquelas gentes têm agora mais uma forma de chegar mais rápido, com menos esforço, estão agora menos distantes, menos isoladas, estão agora mais felizes, sobretudo.
Mas não, o debate – fugaz, como todos os debates, durou poucos dias – centrou-se na inauguração do túnel, quanto custou, como será pago, quem o foi inaugurar, que devia ter ido inaugurá-lo.
Durante poucos dias, o que importou a uma parte importante da sociedade portuguesa foi discutir se o primeiro ministro se aproveitou de uma obra resgatada por outro primeiro ministro.
Se o anterior primeiro ministro não esteve na inauguração do túnel que ele próprio resgatou, se o actual primeiro ministro não devia fazer parecer que a responsabilidade era sua, logo, não devia ter sido ele a inaugurar.
Coisas importantes em discussão.
Este foi o registo, durante dias, nas rádios, nas televisões, nos jornais, nos blogs, nos sites, e nas redes sociais.
Um registo que retrata aquilo que somos, enquanto povo, parte dele.
Estando nós com um cobertor de papa, que importa quem dorme ao relento.
O importante foi discutir a legitimidade política de um acto que sería sempre de propaganda, fosse quem fosse que o protagonizasse, como se isso fosse um crime.
Em minha opinião, os dois primeiros ministros, o actual e o anterior, deviam ter estado na inauguração do túnel do Marão.
Pelo menos evitava-se uma discussão vazia, apenas com sentido para quem a discutiu, e podia ter-se conversado um pouco sobre aquilo que o túnel trouxe para aquela região, para aquele território, para aquela gente; uma luz.
É isso que há no fim de um túnel.
O resto são labirintos, não são túneis.
Sem luz ao fundo!
Domingo corre-se a mais bela corrida do mundo.
No Douro.
Em Portugal, o país que não é só meu.