Blogue Insónias

Ser político em Portugal no século XXI

Como um dia afirmou Henri Queuille, político francês (1884-1970)

 “A política é a arte de adiar decisões até elas deixarem de ser relevantes”

Confesso com total desassombro e humildade que a produção deste texto foi influenciada pelo notável poema de Florbela Espanca “Ser Poeta”, de cujos versos destaco:

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

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É ter dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

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È ter fome, é ter sede de Infinito!

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É condensar o Mundo num só grito!

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Há muito vergado à beleza, profundidade, dimensão filosófica, lírica e romântica da extraordinária poesia de Florbela – de quem me confesso aprendiz de admirador – ouso, enquanto cidadão, com modesta participação cívica e política (aquela que me tem sido possível ter e exercer) “adaptar” o conteúdo dos versos do poema ao mundo político contemporâneo, procurando explicar a uma considerável parte da opinião pública aquilo que deve ser um político de verdade.

Tenho em mim, desde que comecei a frequentar os espaços de aprendizagem e de debate filosófico e político, abertos ao pluralismo e ao livre pensamento, que o político para ser um político verdadeiro, autêntico, genuíno, intelectualmente sério terá de fazer um cuidadoso, sério e desapaixonado exame introspectivo e alterar (quase sempre) a hierarquia dos seus desígnios pessoais, pois, ao invés de todos aqueles quadros com que diariamente somos confrontados, ainda que já se tenham tornado excessivamente banais e previsíveis, nunca, quando ao serviço da causa política ou da causa pública, deverá sobrepor os seus interesses às causas que no momento afirma defender.

Para não recuar mais longe, lembro apenas aquilo que é uma certeza colectiva: a classe política de hoje tem muito pouco ou quase nada a ver com a aquela classe de políticos que enformou a Assembleia Constituinte de 1976, isto para não produzir comparações mais exigentes. A qualidade dos políticos em Portugal foi baixando cada vez mais (tal como a qualidade do nosso ensino nas escolas e na maioria do ensino superior), ao ponto de eles se terem tornado, por definição, os maiores intérpretes de enredos de corrupção, de suborno e os maiores responsáveis pelo estado de subdesenvolvimento em que o país está mergulhado, apesar dos milhares de milhões provenientes da UE e dos sacrifícios sem fim à vista de um povo sofrido. É óbvio que não quero com isto dizer ou afirmar que todos os políticos são corruptos (ou até mesmo a maioria) mas contudo todos os corruptos frequentam os grandes espaços da política ou andam nas vizinhanças.

A esmagadora maioria dos políticos pouco ou nada sabe sobre doutrinas, ideologias, valores, civilização, princípios, novos paradigmas e de História e Filosofia é melhor nem falar. E se dúvidas houvesse o ora deputado pelo PSD Miguel Morgado acabou com elas todas ao afirmar:“Não me defino ideologicamente porque a ideologia é uma patologia”, Este político-bloguer, ex-assessor do ex-primeiro ministro Passos Coelho e deputado do PSD na actual legislatura sintetizou na perfeição o “estado da arte de bem fazer política em qualquer cela”. Ideologia conta pouco para gente que sabe e valoriza muito mais mais o “aparelhismo”, a intriga da Corte de Lisboa, a construção legislativa com “buracos”, as trocas e “tráfico de favores”, assim como de outros “práticas negras”, que apenas têm concorrido para continuar a empobrecer o País: Tudo isto, sob a impotência da Justiça, enquanto eles vivem cada vez melhor instalados, ora no público ora no privado ou nessa nova modalidade de engenharia político-económica que são as “parcerias público-privadas”.

No seu discurso de 5 de Outubro último, o Presidente da República soube, através dele, interpretar a dura realidade, face à qual a esmagadora maioria desta nossa “classe política de aviário” vive tão divorciada: o povo português que tantas razões de queixa tem sobre os políticos e os seus partidos – com especial enfoque naqueles que disputam e enformam o arco governativo – há muito que já compreendeu que “o segredo está na massa”. E esta “massa de políticos”, com espinha dorsal muito torcida, age com premeditada impostura e mentira, tendo inclusivé, tornado as suas práticas, acobertadas em tais doutrinas, objecto de elevado apreço entre o povo mais impreparado e mais ignorante em tais domínios. Tem sido à custa de muita mentira e de milhares de meias-verdades, ardilosamente manipuladas pelos “spin-doctors” da comunicação, que tem sido construída a aura e a sacralização da função política, cujas consequências são por de mais conhecidas: o gradual desinteresse e alheamento de um eleitorado cada vez menos crente. O (bom) povo caiu na armadilha deixando-os, cada vez mais, entregues a si próprios e aos seus negócios de “trocas”.

Por outro lado, esta “massa” tem muito a ver com a má qualidade da mensagem política – directamente proporcional ao seu medíocre conteúdo – e com a capacidade que os políticos têm vindo a demonstrar para “engendrar” ideias, que apontam invariavelmente no sentido de comunicar aos cidadãos aquilo que eles mais desejam ouvir. O que aos políticos falta em inteligência, humildade, ética, moral, transparência….sobra e muito em descaramento e esperteza saloia. Com toda a legitimidade e com muita desfaçatez à mistura, todos se consideram justos, correctos, defensores da liberdade, da democracia, dos valores do progresso…e sabe-se lá que mais! Mas terão eles (políticos) a consciência de que estão a defender e a propor as políticas certas e mais correctas para o real desenvolvimento competitivo e modernização do país? Certamente que não! O estado da Nação diz-nos, que apenas seguem os interesses e manutenção de poder, de acordo com os conceitos, ora do partido ora dos decisores políticos, isto para não falar nos “donos” dos interesses ocultos, que apenas visam usar o dinheiro do Estado em seu exclusivo benefício.

Nos 35 anos que levo de “convívio” com a política nacional – muita apoiada no acompanhamento de toda a informação produzida pela comunicação social, nacional e estrangeira, em obras de politologia, análise e ciência política – tenho constatado que o político indígena (em sentido abstracto) não tem como objectivo primeiro, depois de conquistar o poder, exercê-lo em favor do país – desde a condução dos destinos dos mais carenciados à promoção e realização de políticas que, efectivamente, sem batotas, nem maquilhagens estatísticas, promovam a excelência, a disciplina, o rigor, o trabalho, o mérito; promovam a ideia de excelência nos nossos jovens; desde a defesa dos nossos interesses “aquém e além-mar” até ao respeito pelos compromissos e promessas assumidas, dentro e fora dos actos eleitorais.

A política em Portugal é e tem sido e comandada por alegadas elites de políticos, que, com recurso a diversas tácticas, foram escolhidos entre os diversos grupos dos seus partidos, para mais tarde serem escrutinados entre os diferentes grupos de uma sociedade, que cada vez mais é dominada pelo “Ter” desprezando o “Ser”, pouco se importando de onde vem e como se obteve o “Ter”. Logo, o “povão” indígena não terá agora qualquer legitimidade para se lamentar dos escóis que produziu e fez eleger: gente formada pelas leis da mistificação e do interesse material, relegando para segundo ou terceiro plano a causa pública – com a causa humana em toda a sua plenitude num lugar ainda mais subalterno – para se ocuparem de causas políticas menores, à dimensão da sua real formação e preparação política, a fim de convencerem a dita “arraia-miúda” de que estão empenhadíssimos a pugnar pelo progresso e desenvolvimento da Nação, enchendo o peito de Pátria.

Enquanto isso, o povo, fiel e obediente ao conformismo dos “brandos costumes”, deixa-se seduzir pela propaganda eloquente de “mentirosos profissionais” e compulsivos – gente dotada de AVC (ausência de vergonha na cara), com um passado e um presente quase sempre dúbio que, exercendo funções políticas, conseguem obter o “Sim” ditado pela angústia do desalento, da frustração em tons de vã esperança, porque mesmo em presença de “aldrabices” detectáveis, continuam a querer acreditar na “luz ao fundo do túnel”, ainda que o País viva sob as “trevas do obscurantismo” sócio-económico, político e cultural, ditado por políticos cada vez mais impreparados, incultos, irresponsáveis e muito ávidos de euros, pois o dólar deixou de interessar, até porque a América caiu na grosseira asneira de há poucos anos ter feito seu Presidente a mais acabada “besta política” dos últimos 100 anos e agora vai apresentar a eleições um outro que é no mínimo mil vezes pior.

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