Blogue Insónias

A saturação: o Presidente da República

Sou um adepto confesso da sobreexposição.

Isso é visível na minha conta do Instagram.

É uma das muitas coisas que me aproxima do Presidente da República.

(Ainda guardo a sms que me enviou em resposta a uma outra minha, quando o felicitei pela vitória nas eleições, ele se quiser que a torne publica, e nem sequer votei nele)

Eu sou um admirador confesso de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da sobreexposição.

Há quem prefira o sinónimo (fotográfico) saturação, mas eu prefiro esta fotografia, a de um homem.

Ponto, de partida.

Marcelo Rebelo de Sousa tem sido criticado, caricaturado, apontado, não pelo seu trabalho enquanto líder de uma nação que o levou para Belém, em ombros, com maioria dos votos, mas porque se expõe demasiado.

Somos sempre donos de verdades com pés de barro, porque a nossa verdade pode não ser a verdade do outro.

“Calça os meus sapatos e poderás falar sobre o meu caminho”.

É um facto. O Presidente vai a todas.

O Presidente dos Afectos, é um nome que não está ao alcance de todos, de quase nenhuns, olhemos a Venezuela, porque está na ordem do dia. Será que era um presidente assim que era bom?

Ou o que está a acontecer na Turquia, era isso?

Ou o que nos aconteceu na última década, cá dentro, isso, cá dentro.

Talvez alguém que esteja a ler esta texto entenda que estou errado, que os afectos não são chamados para a política, que um presidente da república, este presidente – caso raro, diga-se, ah não, Donald Trump também fala muito, é como as cagarras -, não devia estar em todo o lado, a toda a hora, a falar sempre, sempre. Sobre tudo.

Sim, o presidente, este que temos, em quem eu não votei, não se limita aos afectos, ele entoa as suas ideias, as suas opiniões, sobre a banca, sobre a União, sobre o OE, sobre leis que emanam da AR, sobre tudo.

E, sobre o jardim que foi inaugurado na freguesia de São Romão das pencas, ou sobre cultura, direito, Constituição da República, ou sobre os gelados artesanais de Albufeira dos Ançãos (nenhuma das localidades mencionadas existe).

Vai a todas e fala sobre tudo e ainda bem.

Talvez alguém que esteja a ler este texto entenda que estou errado, que os afectos não são chamados para a política, e eu aceito, mas sublinho, a política faz-se com retórica pura, com a manifestação de ideias, com discursos, porque havemos então de exigir ao Presidente recato, quando ele é um político (entre outras coisas), e a política faz-se de ideias e de como as materializamos, ou ajudamos a realizar.

“Ele” é o líder escolhido.

Sempre foi aquilo que se vê, é público, não é fake, e não será isso o que um povo esclarecido quer para si, um líder que sente, que faz, que questiona, que aponta, sem falsidades, se fingimentos, um presidente que abraça e que chora abraçado.

Um político sério que trabalha muito para os seus concidadãos, para o fuuro de um país, mas sobretudo para um presente, que precisa de abraços, eles andam esquecidos da civilização, os abraços.

Se eu estiver errado, errado viverei.

Eu gosto de afectos, de sentir que, quem me pode amparar vem amparar-me, eu gosto de abraços.

Abraços, afectos.

Talvez alguém que esteja a ler este texto entenda que estou errado, que os afectos não são chamados para a política, eu entendo, mas permita-me que recomende e recorde uma viagem recente. Foi há um mês.

Moçambique.

Viva onze dias em Muzumuia, Chicualacuala, Chimbémbe, Matuba.

Eu tive esse privilégio.

Fome que impedia os meninos de irem à escola, famílias de crianças, órfãos do HIV, sem água, comida, afecto, infância. Crianças a quem os dentes caíam inteiros, depois de amolecerem e de dores ósseas horríveis, nos maxilares, na cara, na cabeça, por falta de comida, de ter que comer.

E, sabe o que mais me impressionou?

Foi o afecto, a seguir à dignidade do coração deles.

Durante onze dias senti a necessidade extrema de abraçar, deixei-me abraçar sem reservas. Abracei dezenas de pessoas que não conhecia, algumas doentes, algumas velhas sem saber a idade, algumas pequenas, com sorrisos gigantescos.

Pediam abraços. Abracei muito e percebi que os abraços fazem bem à alma e ao coração. O afecto.

Apendi a maior lição sobre a dignidade humana, e guardo todos os rostos das crianças, os seus sorrisos, as suas canções, a sua alegria, pela primeira vez que viram a sua imagem reflectida num espelho, os meus óculos de sol.

Mantenho contacto regular com Muzumuia, por sms, ainda hoje recebi novas de lá, apadrinhei uma criança, que abracei muito, dei-lhe todo o meu afecto, até à última gota, e dou-lhe, dei-lhe um futuro, que não tinha.

Onde a terra castiga, os sorrisos ensinam e reduzem-nos a um tamanho tão ínfimo, que nem sequer conseguimos olhar-nos, por muito grande que seja o espelho.

Eles viram tudo isso nas lentes espelhadas de um par de óculos.

Talvez alguém que esteja a ler este texto entenda que estou errado, que os afectos não são chamados para a política, mas permita-me a conclusão:

Você não tem tempo, disponibilidade, vontade, nem sequer memória e desejo de um abraço.

A vida não deixa.

Eu era assim, até ao mês passado.

Nem me lembrava que o simples, mas profundo acto de abraçar existia, só a espaços, de tempos a tempos, em ocasiões especiais ou festivas.

Não é assim só consigo, foi assim comigo, é assim com o mundo quase todo.

Mas, eu prefiro ter hoje o meu e o seu presidente, no qual não votei, a inteirar-se no local de uma grande tragédia (uma pessoa morta é uma tragédia. Cinco pessoas mortas é uma tragédia) nacional, a abraçar quem viu entrar-lhe uma asa de avião pela casa dentro, sem bater à porta. E, quase morria.

Sobreexposição, dizem. Seja. Muzumuia foi há um mês apenas, e parece que é todos os dias. As minhas fotos de Muzumuia, no Instagram, como todas as outras, estão impregnadas de sobreexposição, saturação e, confesso, acho-as fantásticas.

Sim, prefiro ter hoje o meu presidente, no qual não votei, a parecer um emplastro, atrás do presidente da câmara e do comandante da Protecção Civil, nas televisões. Estava a inteirar-se, antes dos abraços.

Não custava nada tê-lo colocado ao lado do comandante.

Prefiro, como cidadão, ter dez mil vezes este presidente dos afectos, e prefiro também enquanto jornalista – sim, porque eu sou dois actores diferentes – , porque há sempre assunto, porque o líder da nação segue a vida e o pulsar dos seu país e não se fecha num silêncio moribundo e bolorento.

Isso é ser estadista, ter todo o sentido de missão, da missão.

Eu gostava de ter um abraço do presidente do meu país, se uma fatalidade se atravessasse no meu caminho.

Eu gosto de o ver, como hoje, por causa do avião que caiu.

Mas, também gosto de o ver a corrigir trajectórias, marcar agenda, arbitrar, liderar, gerir a vida do seu país, que é o meu. Fazer política não é estar fechado em gabinetes, no Facebook.

Prefiro um presidente assim, um político e um homem dos afectos.

Há quem prefira um presidente, que mostrou ao seu país o seu maior afecto em público, quando fez festa numa cagarra. Uma cagarra!

As cagarras fazem muito mais barulho que o Presidente da República.

E, não dizem nada!

Garanto eu que, muitos anos antes desta viagem dos afectos e dos abraços, a Moçambique, vivi quatro dias nas Berlengas. Dormi lá.

Cagarras é nas Berlengas, não é nas Desertas, como muitos julgam.

Tem tudo isto a ver com a saturação, ou sobreexposição, que eu utilizo nas minhas fotos, na minha conta do Instagram.

Isto não tem nada a ver com política.

Merece um  “like”!

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