Vivemos na passada semana – para quem se quis dar ao trabalho de acompanhar – um processo de destituição de um chefe de estado. Por si só, e excetuando os processos revolucionários mais ou menos violentos, esperava-se que um dos maiores países do mundo, uma das democracias merecedoras desse nome na América do Sul, soubesse elevar e dignificar um processo que não é fácil, o de pôr em causa a legitimidade do líder máximo da nação.
Uma nação que tem coisas incomparáveis. A melhor música do mundo, o melhor futebol do mundo, uma das melhores arquiteturas do mundo, o melhor piloto de automóveis de sempre, a maior floresta do mundo, o maior rio do mundo. Tudo no Brasil é grande, é imponente, nada se faz pela metade. Ficamos também agora a saber também que, quando toca a cobrir-se de ridículo, igualmente pedem meças a todos os demais.
O espetáculo deplorável, degradante, que se constituiu como o corolário deste processo na Câmara dos Deputados e que eu me forcei a assistir noite dentro, intermitentemente, envergonha-me como português. Principalmente porque, além da estupefação clara perante o “carnaval” que se desenrolava diante dos meus olhos, era também agredido pelas palavras, pois eram proferidas na minha língua, cruas e completamente inteligíveis!
Desde logo, pelo ambiente de “feira” que se vivia naquela sala. De “feira” ou de “estádio” de futebol, com as “claques” – ou seriam “torcidas”? – a vaiarem e aplaudirem com tarjas, cachecóis, insultos e palmas, ameaças e palmadas nas costas. Depois, pelo formato da votação, nominal e “à vez”, coisa que eu não imaginava que fosse possível em democracia. Com os ditos deputados a fazerem do seu voto, e concomitante declaração do mesmo, os seus 15 segundos de fama perante o seu país e perante o mundo. Degradante, com dedicatórias ao país, à família, aos filhos, netos, ao “gato e ao cão” – tanto não sei, mas tudo é possível -, arengas solitárias adornadas por vezes com confetis e outras com exortações religiosas!
Depois, pela completa falta de respeito democrático que grassa por aquelas bandas. Fico perplexo quando um dos oradores batiza o presidente do Congresso com todas as 6 letras, em alto e bom som… LADRÃO! Principalmente quando se sabe que uma grande parte dos quinhentos e tal estão a braços com outros tantos crimes de ladroagem e corrupção.
Quando se sabe que o Brasil padece de um dos piores males da democracia. A instrumentalização do sistema político-partidário como veículo de financiamento partidário e de enriquecimento pessoal. De todos os partidos, fações e tendências. À descarada…
E, quando se perde a vergonha, nem o facto de tudo ser público, notório e escandaloso, faz com que se tenha algum tipo de contenção. À descarada e à luz do dia e como se estivéssemos a assistir à novela das cinco, este Big Brother revisitado, travestido de respeitável fato e gravata, arrisca-se a ficar na história como uma das mais degradantes páginas vividas por este “Brasil brasileiro, mulato enzoneiro, terra de samba e pandeiro”, como cantava Ary Barroso.
Dou por mim a pensar: “ainda bem que o coração de Pedro está no Porto, pois não sei se resistiria a tanta deceção e vergonha”!…