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O Presidente está como na praia…

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Parece que foi ontem.

Passaram cem dias e nem nos demos conta.

Pode haver aqui uma explicação, em teoria.

Talvez os dias tenham passado ao ritmo do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, e passaram para nós, comuns cidadãos, que é isso que somos, a ideia de que passaram rápido, quando na verdade passaram cem dias.

Ao ritmo obrigatório de um calendário cada vez mais distraído.

E, nem de propósito.

Fui a Cascais, cem dias depois, em busca de relatos sobre o presidente. Fui, ao abrigo do meu ofício.

Ainda gosto do meu ofício, gosto de Cascais, como gosto do presidente, tudo favorável. Fica desde já cartas à mostra, em cima da mesa.

Adiante na escrita.

Fui a Cascais em busca desses relatos e encontrei-os.

Foi difícil, não que as opiniões divergissem, mas porque Cascais está completamente cheio de gentes de outras latitudes e paragens. sem qualquer ponta de exagero.

Creio que se for visto de cima irá parecer um gigantesco carreiro de formigas louras, coloridas de encarnado, laranja e azul-marinho, dos sacos que levam a tiracolo, caminhando ao ritmo das lesmas em dia de sol seco.

Soprava uma brisa e isso fez toda a diferença.

Fui à praia do Pescador, direitinho à praia do Pescador, uma pequena baía dentro da baía de Cascais, a terra onde vive o presidente, porque Marcelo não vive em Belém, isso é o menino Jesus, aliás, nem sei se Marcelo chega a ir ao Palácio, a julgar pela agenda.

Marcelo tem aquela rotina; sempre que pode vai mergulhar na praia do Pescador, ali ao lado de casa.

O episódio do vídeo onde aparece o presidente, sentado no paredão a sacudir a areia dos pés e a vestir a camisola e o boné só surpreendeu os mais distraídos, que agora até olham para estas coisas políticas como se de eventos sociais se tratasse.

Depois deliberam-se acordãos sobre se o presidente fala muito, aparece muito, sobre se opina sobre tudo, a toda a hora.

Os eventos sociais merecem ser comentados, nesta era onde qualquer comentário pode ser lido, visto ou ouvido. Qualquer um.

Uma facção defende que sim, que é exagerada a exposição do presidente. Outra que não. Nenhuma assim-assim.

Não creio ser exagerada. Ela equilibra o défice (falo da exposição) e ainda assim fica a uma distância considerável, mas neste particular penso que terá apenas a ver com características pessoais, formas de estar e de viver, visões pessoais das coisas, e as pessoas são diferentes umas das outras.

Mas basta ir à praia do Pescador, a praia do presidente, para perceber que tudo aquilo que se diz e escreve está a milhas náuticas de distância.

Marcelo Rebelo de Sousa é antes de qualquer cargo importante um homem de uma profunda sensibilidade, a todos os níveis e registos.

Académico, mediático, comunicacional, político, legislativo, constitucional, intelectual – adoro um presidente que pensa e sabe falar em público -, humano (ele até gosta de futebol e conhece os jogadores todos), a todos os níveis e registos Marcelo Rebelo de Sousa é antes de qualquer cargo isto tudo, personificado.

É verdade, Portugal tem uma pessoa como presidente.

Gosto daquele ligeiro toque de sopinha de massa, nele soa bem, a voz anasalada dá um soar diferente à comunicação, acompanhada pelas expressões e repentes, e da inteligência deste ser quase extra-terrestre ( se for verdade o mito de que dorme pouco), ela torna-se tão eficaz quanto genuína.

E é isso que conta.

Pois bem, em Cascais tive dificuldade em encontrar pessoas de lá.

As que vi estavam a trabalhar, nos restaurantes e esplanadas, sobretudo por aí.

Conversei com o dono do quiosque junto ao paredão, onde o presidente costuma trocar de calções, falei com o senhor da ourivesaria e com o amigo, com uma turista que, imagine-se, não conhecia o presidente, fui falando com quem me cruzava.

Azar o dela.

O espanhol que me abordou na rua da saudade conhece Marcelo e até já viveu na rua “dele”.

“Vocês têm o presidente que merecem. Não é um cartolas, como vocês dizem. Este vocês merecem”.

O outro não?

Esqueci-me de lhe perguntar.

É que passaram cem dias, a um ritmo alucinante, o ritmo do presidente que vai à praia todos os dias, que tira fotos com quem lhe pede, que sacode os pés – Marcelo sacode os pés, o presidente sacode os pés – quando sai da praia, que dança, que fala à chuva, que diz que somos melhores que os outros, um presidente que come gelados e cumpre promessas feitas a senhoras de idade em campanha eleitoral, um presidente que responde, em Paris, à pergunta tão bem feita:

-” Senhor presidente, o primeiro-ministro não está consigo, sabe onde ele está?”

-“É verdade, não está. Tenho que o ir procurar”,

é um presidente que me agrada.

Tenho dificuldade em perceber quem diz e pensa o contrário.

Agrada-me, e ao que parece não só a mim.

Foi-me, repito, difícil encontrar um habitante de Cascais, no meio dos turistas, mas aqueles que encontrei falaram-me de Marcelo com um brilho no olhar.

Sem excepção.

Apenas o dono de uma outra ourivesaria (e loja de bebidas e recordações) se recusou a falar comigo:

-“Sabe, eu, estas coisas da política…”

Mas cá para mim não foi isso.

Ele deve ter-me visto em directo, com o concorrente, da rua de cima, de certeza!

“É o presidente do povo”, disse-me o senhor dessa ourivesaria que ficava ao cimo da rua, e repetiu o amigo, e o espanhol, e a senhora do Porto, que comparou Marcelo ao Papa, e o senhor de Gaia que gosta dele porque afinal é um professor, logo esclarecido, ou até o próprio empregado do restaurante onde comi o habitual prego no prato, sempre que vou a Cascais.

A ideia era comum: o presidente do povo.

Difícil encontrar um habitante de Cascais, impossível encontrar quem dissesse uma vírgula de mal sobre Marcelo.

É sintomático.

O paradigma mudou.

Em mais de quarenta anos de regime democrático jamais um primeiro-ministro e um presidente da república viveram tamanha lua-de-mel. É público, nem sequer é uma opinião.

Um facto que comprova isso mesmo; o paradigma mudou, sobretudo porque Marcelo é o presidente da república.

A Marcelo, acho, até é permitido comer de boca aberta, em público.

Mas, não estou a ver!

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