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O Sabedor

mario_wilson

A minha profissão tem-me dado o privilégio de ter conhecido muitos homens bons, homens grandes, homens sérios, gente com carácter, sabedoria, com quem aprendi, ao longo destes mais de vinte e quatro anos de jornalismo. Não sei se farei vinte e cinco.

Fruto de ter passado mais de metade desse tempo a trabalhar na área do desporto, privei com muitos homens desse calibre, raros, dos quais pouco é dado a conhecer, para lá da sua intimidade.

Assim era Mário Wilson.

Discreto.

Um senhor.

Um conhecedor, do futebol, dos afectos, das relações, mas um profundo conhecedor das coisas do coração, e que belo era ouvi-lo dissertar, ora sobre futebol, ora sobre a vida. E o que ele amava a vida.

Mário Wilson era um senhor, com um enorme coração.

Conheci outros, o senhor Nuno Ferrari, o senhor Capela, o senhor Eusébio, o senhor, o senhor…

Naquele tempo eles eram tratados por senhor, senhor Nuno, ou senhor Capela.

Mário Wilson era tratado por capitão.

Ponto.

Por todos.

Conheci-o em 1995, no século passado.

Estava eu a dar os primeiros passos na profissão, era ele já doutor de Coimbra, campeão português, melhor marcador, treinador, seleccionador de Portugal, uma figura, por todos respeitada, de trato fácil, mas convincente, à sua maneira, quando era preciso.

Sempre com um sorriso e aquele olhar esguio, que costumava fazer, quando confrontado com alguma pergunta mais desconfortável. Respondia a todas.

Passei a ser admirador confesso do “velho capitão”, do homem, sobretudo, mas também do profissional, com quem tive que (felizmente) conviver alguns anos.

Entrevistei-o umas dezenas de vezes. Escutei-o outras tantas. E, era isso que me prendia; ele prendia-me, escutá-lo, escutava-o, e bebia todas as suas palavras, como se fossem a última gota de sabedoria.

As histórias que se contam são verdadeiras, menos uma, que nunca alguém provou.

Aquela história em que ele terá adormecido no banco, por confirmar, e alguém lhe terá dito: “mister, o marcelo…”.

“O Marcelo, mete o Marcelo…”.

“Mas, mister, o Marcelo está a jogar…”.

“Então tira o Marcelo…”.

Essa história contou-se toda a vida, mas nunca ninguém a atestou.

Agora, vi e ouvi, eu, com estes que o fogo há-de transformar em cinzas – que eu quero ser cremado, é mais higiénico – mestre Mário Wilson (também o tratávamos assim) virar-se para o Deco, um dos melhores, na altura no Alverca, ia-mos no ano de 1998, e dizer-lhe:

“ Deco, vai tomar banho…”, ao que Deco tentou formular uma frase, mas foi interrompido, “ jogadores como tu, comigo, não treinam, só jogam…”.

Era esta capacidade de mexer com o consciente e com o sub-consciente, que fazia dele um expert em coisas do coração, porque é o coração que conquista, a razão é outro assunto.

Quando o treino acabava e o abordávamos, naquela altura era assim, falávamos com os treinadores , a caminho do, ou no fim do treino, e lhe perguntávamos se o jogador “A” ou “B” tinha recuperado, se ia jogar, ele respondia, sem se deter na caminhada.

Sempre.

Às vezes limitava-se a passar a mão no rosto do jornalista, detinha-a no seu pescoço, olhava-nos, a todos, e dizia: “meu filho…”, fazia uma pausa, “eu sei que esta é a tua profissão, e deves orgulhar-te dela, mas se eu te responder estou a dormir com o inimigo, não me interprete mal”, a meio das frases mestre Mário Wilson tinha a mania de trocar o tu pelo você, conforme assim o entendia, e continuava, “tu tens que fazer o teu trabalho, eu tenho que fazer o meu, meus senhores, muito bom dia”.

E, seguia o seu caminho, mestre do seu destino, capitão da sua alma.

Hoje, depois da sua morte, há quem queira deter a sua quota-parte na vida deste homem, que era um homem livre, porque Mário Wilson também era uma homem da Liberdade, da paz, da união. Era um homem feliz.

Mas, não era de ninguém, nem do Benfica, nem do Sporting, nem do Alverca, nem do Águeda, nem do Olhanense, nem do Belenenses, nem do Torreense, nem do Cova da Piedade, nem do Boavista, nem do Estoril-Praia, nem do Vitória de Setúbal, nem da sua Académica, nem do Tirsense, nem do Rabat, tudo clubes onde jogou ou treinou.

Chamavam-lhe o “bombeiro do Benfica”, aquele que substituía sempre o treinador que ia embora, que naquela altura era mês-sim-mês não.

Ele nunca se importou, fosse um mês, um anos, fosse o que fosse, ele sabia que era assim.

Mas, não lhe façam isto.

Mestre Mário Wilson, o nosso “Velho Capitão” era simplesmente um homem livre, que tinha a coragem de nos dizer, aos mais novos, às vezes, e disse-me-o algumas:

Essa tua atitude, agora, calou-me fundo”.

Homens destes nunca morrem, são almas livres.

Capitão Mário Wilson, era assim que eu o tratava.

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