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O oásis de estabilidade

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A solução governativa começa a ser entendida como um oásis de estabilidade por alguns observadores estrangeiros. Não colocando em dúvida essa caracterização, até por comparação com Espanha, Itália ou mesmo França, a verdade é que ela decorre, na minha perspetiva, de um equilíbrio partidário iniciado em meados de 2015. Consequentemente, nesse contexto, a tal estabilidade só poderá terminar quando o tal equilíbrio desaparecer. Não sei, pois, se temos realmente um oásis de estabilidade ou simplesmente um país polarizado entre uma maioria de esquerda e uma minoria de direita (um Portugal polarizado, mas não dividido).

Vejamos:

  1. Em Abril de 2015, os estrategas da direita entenderam que a única forma de voltar a governar seria forçar uma bipolarização partidária extrema (apesar da radicalização na retórica, nunca houve um verdadeiro projeto de radicalização política como a esquerda acusa). O tudo ou nada para mobilizar o eleitorado que em 2011 tinha votado PSD e CDS. Para isso (i) formaram uma coligação pré-eleitoral; (ii) insistiram que a única escolha relevante era entre Passos Coelho e António Costa (ao mesmo tempo que o aparelho comunicacional da direita alimentava o BE e Catarina Martins como forma de retirar votos ao PS); (iii) venderam a ideia de que nas eleições de outubro de 2015 eram uma espécie de Armagedom português, a batalha final entre o Portugal novo, empreendedor, livre do Estado e o Portugal velho, pendurado no Estado falido.

 

  1. Se os estrategas da direita fizeram a leitura certa não sabemos. Não há o contrafatual para saber. Teriam o PSD e o CDS mais votos separados do que na solução pàfiana? Teria Costa mais votos, e o BE menos votos, caso a direita estivesse separada? Teríamos agora um Bloco Central? Não sabemos. O que sabemos é que, de alguma forma, a estratégia correu bem pois a polarização permitiu ao PàF ser a força mais votada. É certo que não evitou a fuga de 700 mil votos, mas conseguiu que estes não se concentrassem no PS. A dispersão desses 700 mil votos permitiu a Passos Coelho (e a Paulo Portas) sobreviver à noite eleitoral. Por outro lado, a mesma estratégia favoreceu os bons resultados do BE que deixaram António Costa em segundo lugar com uma percentagem francamente medíocre.

 

  1. Contudo, na noite de 4 de outubro, perante o resultado, esses mesmos estrategas da direita assimilaram a nova situação politica em função dos seus desejos. Para minha surpresa, em vez de imediatamente iniciarem um processo de despolarização, como defendi naquela madrugada, os estrategas da direita decidiram repolarizar. A fortíssima polarização que eles patrocinaram tinha permitido ganhar as eleições, sim, mas aquém de uma maioria parlamentar. Sem essa maioria parlamentar, na minha análise, a polarização passara a ser objetivamente um sério problema, e não uma solução. A polarização dividia a sociedade portuguesa, mas a direita ficava do lado muito minoritário. Portanto, pensava eu, a polarização já não podia interessar à direita. Os estrategas da direita entenderam o oposto.

 

  1. A repolarização partiu de um pressuposto analítico absoluta e obviamente errado. Pensavam os estrategas da direita que o PS jamais conseguiria chegar a um acordo viável com o PC e o BE. Ou, na dúvida, haveria uma inevitável implosão do PS. Passos Coelho seria o líder de uma nova maioria PSD+CDS+PS bom enquanto António Costa ficaria com a minoria de esquerda PC+BE+PS mau. Daí que a estratégia da direita, entre 4 de outubro e 27 de novembro, tivesse por base recuperar o espirito do 25 de novembro e insistir que a nova polarização passava pelos democratas versus comunistas e radicais, diferente pois da anterior polarização esquerda-direita que tinha vingado até 4 de outubro.

 

  1. Se a primeira polarização pode ter sido a estratégia certa para ganhar as eleições (uma vez que não sabemos o contrafatual), a segunda polarização foi uma loucura incompreensível. Encostaram o PS à parede sem querer perceber que a parede se mexia. PSD, CDS, Presidente Cavaco simplesmente entraram num desgaste estratégico que só podiam perder por insuficiências próprias. Em vez de procurar alternativas dentro de uma despolarização tática imediata (governos de iniciativa presidencial), a direita insistia cada vez mais numa polarização radical enquanto sentia estar a perder o terreno.

 

  1. Iniciado o período governativo da gerigonça, a direita teve que enfrentar a realidade que durante semanas negou. Polarizou e repolarizou, mas acabou minoritária e com a solução governativa mais à esquerda desde o 25 de novembro. Pareceria claro que, depois de um tremendo erro analítico, a saída fosse inverter completamente a situação e despolarizar o mais rapidamente possível. Procurar novos caminhos, evitar solidificar a nova maioria parlamentar, encontrar pontes com o PS, sinalizar aos 700 mil eleitores fugidos uma disponibilidade de diálogo, renovação e inovação. Em resumo, fazer o discurso do (seu) candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa.

 

  1. De alguma forma foi o que o CDS fez. Desfeito o PàF, o CDS iniciou o seu caminho. Tentando despolarizar. Se a nova liderança terá ou não sucesso a prazo, veremos. Para já podemos dizer que tentou cortar com a lógica pàfiana nos últimos meses.

 

  1. Não foi o que fez o PSD. Os estrategas do PSD insistem há um ano a esta parte em manter a polarização, reforçar a polarização, alimentar a polarização, radicalizar a polarização. Entendem que a estratégia do “somos governados pelos comunistas” inevitavelmente lhes trará de volta os 700 mil votos e lhes abrirá o caminho para uma maioria absoluta nas próximas legislativas. Como é público e notório, tenho sérias dúvidas. E as sondagens não mostram isso (mas admito que não sejam rigorosas).

 

  1. O que não tenho grandes dúvidas é que foi a estratégia do PSD em polarizar, repolarizar e re-repolarizar, e não a coesão intrínseca da gerigonça, que criou um oásis de estabilidade. E este oásis de estabilidade existirá enquanto o PSD persistir nesta estratégia. Independentemente dos resultados económicos, dos movimentos sociais, até da evolução internacional.

 

  1. No dia em que o PSD mudar de rumo e decida despolarizar, a gerigonça abanará. E, nessa altura, veremos se o tal oásis de estabilidade resiste.

 

 

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