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Não percebo o silêncio ensurdecedor

O Governo publicou no Diário da República, no dia 27 de Dezembro de 2016 (a escassos dias do final do ano), o despacho 15591-A/2016 proveniente da Presidência do Concelho de Ministros e do Ministério das Finanças (Gabinetes dos Secretários de Estado das Autarquias Locais e do Orçamento).

O texto do despacho é o seguinte (texto integral):

“Ao abrigo do disposto no artigo 53.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, no n.º 5 do artigo 22.º da Lei 73/2013, de 3 de setembro e nos despachos n.º 1046/2016, do Ministro Adjunto e n.º 3485/2016, do Ministro das Finanças, publicados na 2.ª série do Diário da República, respetivamente, n.º 15 de 22 de janeiro e n.º 48 de 9 de março, é autorizada a celebração de quatro contratos-programa, no âmbito da cooperação técnica e financeira, implicando uma comparticipação total de (euro) 574.085,78, com as entidades e valores identificados no quadro em anexo. A celebração dos referidos contratos é suportada através de uma verba inscrita nos «Encargos Gerais do Estado – Transferências para a Administração Local», rubrica 08.05.01.F0.A1 «Cooperação técnica e financeira». Considerando a proximidade do final do ano, tendo em vista assegurar a atempada tramitação processual inerente aos pagamentos e atendendo que existe disponibilidade orçamental, assim como importando evitar que transitem compromissos para 2017, determina-se que o pagamento das comparticipações seja feito, na totalidade, a título de adiantamento, no ano em curso. O presente despacho é, nos termos do n.º 5 do artigo 22.º da Lei 73/2013, de 3 de setembro, objeto de publicação obrigatória na 2.ª série do Diário da República.

10 de novembro de 2016. – O Secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Manuel Soares Miguel. – 23 de dezembro de 2016. – O Secretário de Estado do Orçamento, João Rodrigo Reis Carvalho Leão.

ANEXO

 

A lei proíbe explicitamente qualquer forma de subsídio ou comparticipação financeira do Estado aos Municípios e Freguesias, como definido no nº1 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro. As excepções, bem descritas na referida lei, podem ser acomodadas através de dotação orçamental devidamente inscrita na Lei de Orçamento de Estado (nº 2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro). Na íntegra, o artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro diz o seguinte (sublinhados meus):

Cooperação técnica e financeira

1 – Não são permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias por parte do Estado, dos institutos públicos ou dos serviços e fundos autónomos.

2 – Pode ser excecionalmente inscrita na Lei do Orçamento do Estado uma dotação global afeta aos diversos ministérios, para financiamento de projetos de interesse nacional a desenvolver pelas autarquias locais, de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, correspondentes a políticas identificadas como prioritárias naquela Lei, de acordo com os princípios da igualdade, imparcialidade e justiça.

3 – O Governo e os Governos Regionais dos Açores e da Madeira podem ainda tomar providências orçamentais necessárias à concessão de auxílios financeiros às autarquias locais, nas seguintes situações:

a) Calamidade pública;

b) Municípios negativamente afetados por investimentos da responsabilidade da administração central ou regional;

c) Circunstâncias graves que afetem drasticamente a operacionalidade das infraestruturas e dos serviços municipais de proteção civil;

d) Reconversão de áreas urbanas de génese ilegal ou programas de reabilitação urbana, quando o seu peso relativo transcenda a capacidade e a responsabilidade autárquica nos termos da lei.

4 – A concessão de auxílios financeiros às autarquias locais em situações de calamidade pública é regulada em diploma próprio, designadamente no âmbito do Fundo de Emergência Municipal.

5 – A concessão de qualquer auxílio financeiro e a celebração de contrato ou protocolo com as autarquias locais são previamente autorizadas por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, a publicar no Diário da República.

6 – São nulos os instrumentos de cooperação técnica e financeira e de auxílio financeiro celebrados ou executados sem que seja observado o disposto no número anterior.

7 – O Governo publica trimestralmente, no Diário da República, uma listagem da qual constam os instrumentos de cooperação técnica e financeira e de auxílio financeiro celebrados por cada ministério, bem como os respetivos montantes e prazos.

8 – O regime de cooperação técnica e financeira, bem como o regime de concessão de auxílios financeiros às autarquias locais são regulados por diploma próprio.

9 – O disposto no presente artigo aplica-se às empresas do setor empresarial do Estado.”

 

Tendo em conta o que está descrito no anexo acima, referente ao despacho mencionado, verifica-se o seguinte:

  1. As obras propostas não se enquadram no regime de exceção devidamente definido nº2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro (ver acima), por não terem relevante interesse nacional;
  2. As obras propostas não correspondem “a políticas identificadas como prioritárias naquela Lei, de acordo com os princípios da igualdade, imparcialidade e justiça” (nº2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro);
  3. As obras propostas não correspondem a projetos “de grande relevância para o desenvolvimento regional e local” (nº2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro). Aliás, o curto despacho não apresenta nenhum argumento que permita identificar qual é o relevante interesse nacional destes projetos;
  4. As obras propostas referem-se a câmaras que são na sua totalidade do PS (Partido Socialista), o que é muito difícil de enquadrar nos temos definidos no nº2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro: “de acordo com os princípios da igualdade, imparcialidade e justiça“.

 

Perante um despacho desta natureza, que considero muito errado, observo um silêncio ensurdecedor da classe política e dos vários partidos.

Esperaria ver denunciada, de forma credível, uma situação a todos os títulos lamentável e que vai ao arrepio de tudo o que se deve fazer num país que passou – e continua a passar – por dificuldades financeiras e luta desesperadamente para se manter à tona da água e resolver os seus problemas estruturais.

Esperaria ver de todos os partidos, preocupados com as contas públicas e com a necessidade de reformar o Estado, apelos enérgicos – ao PM e ao PR – para que se cumpra a lei, cujo espírito está bem descrito no acima transcrito nº2 do artigo 22º da Lei 73/2013, de 3 de setembro.

Esperaria ver da população, independentemente das simpatias partidárias, oposição frontal e total a este tipo de práticas.

O que observo, pela apatia, falta de atitude e preocupação exclusiva em questões de luta politico-partidária, coloca o foco na necessidade urgente de reforçar a participação cidadã.

 

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