Desde que ficou decidido que Donald Trump seria o candidato republicano à Casa Branca em 2016 que não tive qualquer dúvida de que ele iria ganhar. Não digo isto agora porque ele ganhou, pois, se se tivesse verificado o contrário, eu não teria qualquer problema em assumir a minha enorme surpresa. Não confundir previsão com desejo, pois vejo e falo deste assunto dum ponto de vista totalmente pragmático e abstrato, meramente ligado à análise social e política.
A campanha de Donald Trump deu de facto uma grande lição a toda a gente (a esse propósito, ver o que diz Miguel Esteves Cardoso AQUI). É incrível como não obstante as suas aparentes indiscrições e falhas pessoais, os americanos votaram nele ainda assim – será que Clinton já saiu do seu buraco de vergonha? Isto só vem provar que os seus adversários, bem como os media estiveram mal, muito mal, ao limitar o seu contraditório a apontar a excentricidade da personagem de DT, esperando que isso fosse suficiente.
As pessoas estão constantemente a subestimar as próprias pessoas. Ninguém achou que a vontade do povo americano em romper com o chamado “establishment” fosse tão grande a ponto de DT ter a vitória que teve, inclusive em swing-states como a Florida (com muita população hispânica). A verdade é que as pessoas (e por mim falo) estão cansadas dos politiquinhos, das politiquices, do politicamente correto levado ao extremo, e como tal agarram-se a qualquer discurso disruptivo e de novidade como se de uma tábua de salvação se tratasse. DT terá certamente muitos defeitos e a ver vamos se será um bom presidente, mas se há coisa que ele não é, é politicamente correto. E os eleitores perceberam isso. Preferiram arriscar elegendo alguém que não tem experiência política relevante mas que não tem medo (pelo menos durante a campanha), de se pronunciar sobre temas fraturantes sem se preocupar em agradar ao status quo.
Parte da vitória de Donald deve-se à mediocridade da sua adversária, Hillary Clinton (chamo a atenção para a explicação dada AQUI). Como é possível que, com o apoio do seu partido, dos Obamas, do marido, e principalmente, da comunicação social, HC tenha sofrido tal derrota? A resposta deve-se, na minha modesta opinião, à tal vontade de romper com o “establishment”(conceito esse de que HC é a personificação perfeita) e à grande falta de carisma e empatia de Hillary Clinton associada a uma campanha fraca e que se dava por vitoriosa antes da hora (nota: Clinton não se deu sequer ao trabalho de visitar o estado do Wisconsin), bem como a uma boa estratégia de campanha do lado de Trump. DT viu a oportunidade, agarrou-a com unhas e dentes, e não desistiu até conseguir o que queria. Veremos se se mantém a excentricidade da sua persona e dos seus comentários – a julgar pelo seu acceptance speech, eu diria que não…
Isto leva-nos a outra questão, que francamente muito me tem revoltado ler e ouvir: os burros dos americanos, os ignorantes dos americanos, como foram votar nesta pessoa? Então, a democracia só é boa quando dá origem ao resultado que nós, no ocidente, consideramos correto? Quem somos nós para afirmar que mais de metade da população de um dos países mais importantes do mundo está errada? Eu não me atrevo a essa arrogância, mas com certeza é defeito meu, porque devo ser das poucas. O mundo é o que é: há que saber lê-lo e interpretar os condicionalismos sociais e económicos, e DT soube fazê-lo na perfeição. Não adianta darmos às pessoas uma coisa, porque achamos que é melhor para elas, se o que elas querem é outra; as pessoas (i.e., os eleitores) não vão ser o que nós queremos que sejam, mas sim aquilo que são. Bem sei que estas duas linhas se assemelham a verdades de la Palice, mas às vezes na repetição está o ganho.
Por último, julgo ter visto hoje alguns posts e artigos apontando já Michelle Obama para candidata democrata em 2020 (por exemplo, AQUI). Alguém não aprendeu a lição…