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Liberdade? Sim. Sempre. Desde que conformada aos ditames do Sultão.

panoptico

O curso da história têm-nos mostrado que o apetite estadual por controlar direitos e liberdades fundamentais da pessoa, ciclicamente, tendem a ocorrer na sucessão do(s) tempo(s). Trago algumas notas, quer do ponto de vista jurídico, quer político, que confirmam esta regra.

Invariavelmente, hoje, assumindo-se como realidade pungente, o uso massivo e indiscriminado da tecnologia, da rede, e a sua espactacular portabilidade, acabam, por um lado, por ressuscitar esse ideal do Gläserner Mensch, ou, o Homem Transparente – idolatrado no Século passado por realidades narcisistas e de índole totalitário; como, por outro lado, permitir um controlo e vigilância absolutistas da pessoa pelo Estado.

E este tema, porquê?

Nos últimos dias temos sido bombardeados com «informação», de índole variada, quer através das redes sociais, quer através de órgãos de comunicação social ditos tradicionais, quanto a um, pretenso, golpe-de-estado perpetrado na Turquia.

Foquemo-nos, tão-só, na factualidade de índole digital, conhecida até ao momento. O Sultão – como gosta de ser reconhecido – Erdogan sempre se mostrou um feroz crítico quer da tecnologia, quer das redes sociais. Levando em linha de conta que o – pretenso – golpe-de-estado se iniciara com uma tomada hostil de meios de comunicação tradicionais, o Sultão, logo encontrou uma forma de mostrar ao seu adorado povo que estava bem. Mais, que iria aniquilar os seus inimigos. Que voltaria para salvar o seu adorado povo das malhas dos inimigos da Grande Turquia, dos correlegionários de um tal Fethullah Gulen, um Clérigo, moderado por sinal – fugido nos USA há 30 anos.

Para este efeito de comunicação e para apelar ao seu adorado povo que saísse à rua para travar os agressores, o Sultão usou a aplicação de uma empresa do Vale do Silício, o Facetime.(Este curioso facto demonstra-nos que, também os omni-presentes; – cientes; -potentes, se deixam seduzir pelo apelo da tecnologia.)

Adiante. Horas após o início da – pretensa – insurreição, esta sucumbe perante a força do Po(l)vo. Dá-se início a uma saga manipulativa da opinião pública, turca e mundial, pressuposta, essencialmente, na instantaneidade do digital. Rapidamente, inclusivé logo nas primeiras horas do dia imediato, fomos conhecendo – em catadupa – uma interminável caça-às-bruxas. Exonerando quase 3 mil de Juízes de uma assentada, mais uma centena de altos quadros das forças armadas, da Polícia, entre muitos outros, logo no fim-de-semana, a Turquia deu início a uma verdadeira purga, da idade moderna. Que, aliás, continua. E em força, manipulativa, pelas redes sociais fora. A perseguição ao pensamento-contrário ao dogma do Sultão já permitiu a exoneração de milhares de pessoas: na escola, universidade, funcionalismo público; caducou licenças e autorizações de emissão de órgãos de comunicação social tradicionais, que se «identifiquem» com os «agressores»;….

Hoje, Quarta-feira, dia 20/7 – cerca de 5 dias após o facto – a – cada vez mais, pretensa – insurreição contra o Sultão Erdogan tem-nos permitido dar conta de uma verdadeira limpeza ao regime. A contabilidade que conhecemos, ascende a mais de 60000 exonerações.

Concordando com a afirmação do Comissário Europeu Johannes Hahna rapidez e o aumento exponencial dos números desta purga, levam-nos a conjecturar que a lista esta(va) fabricada e preparada para ser executada, pressuposta no recurso às novas tecnologias.

E a este respeito, vamos a factos.

1) Esta purga tem estendido os tentáculos, ainda mais intensamente nos últimos dias, por variadíssimas plataformas de comunicação e interacção digital, desde o Facebook, ao Twitter, ao Tinder, entre outros, perseguindo todo e qualquer um que ouse pensar de forma dissonante;

2) Ainda que de forma mais ténue, e por isso, materialmente mais difícil de concretizar – esta caça-às-bruxas – ou a limpeza ao regime, como preferirem – pela grandeza dos números apresentada, deriva(rá) de um mapping, levado a cabo pelo aparelho turco, continuando uma saga da violação de princípios ordenadores fundamentais da Carta dos direitos fundamentais da União Europeiamormente – digitalmente falando – os inscritos no Capítulo das Liberdades, por um país que – ao que julgamos saber – depois de ter sido financiado em 3 mil milhões de euros no final de Novembro de 2015 pela UE, tencionaria fazer-lhe parte;

2.1) O mapping, além de violar o direito à autodeterminação informacional do cidadão, possibilita que o estado se arrogue do paradigma da inspection house desenhada no Séc.XIX por Bentham, a Panopticon, permitindo-lhe a edificação de um sistema de controlo de informações, em cascata, que incluirá as pesquisas feitas, quem são os amigos, a agenda de compromissos, o endereço, o conteúdo de e-mails e documentos,… aquilo que Michel Foucault – em «Vigiar e Punir» – partindo de Bentham, identifica como o paradigma do estado moderno, o qual, pressuposto na observação, agregação e mapeamento dos dados do cidadão, lhe permite controlar e dispôr de todo o seu poder estatal, conformando os comportamentos desviantes e incentivando ao trabalho árduo como garante último da prossecução dos propósitos (quais?) do Sultão.

Finalmente, e porque assim que o WikiLeaks – depois da ameaça – começou a divulgar milhares de emails, trocados desde 2010 até Junho de 2016, do AKP – o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (como???) – que sustenta o apoio ao Sultão, imediatamente foi decretada a medida administrativa de bloqueio de acesso ao site do WikiLeaks, gostaria de suscitar duas interjeições:

a) Por um lado, e desde logo, a afirmação usada para decretar este bloqueio – in casu, a censura dever-se ao facto de o conteúdo reportar informações roubadas ou obtidas de forma ilegal, só poderá ser tida como verdadeira;

b) Não obstante, este bloqueio assenta numa medida administrativa, e não judicial, com todos os condicionalismos que daí derivam.

Pela semelhança, terá a Turquia plagiado este «modelo» do nosso – famoso– Memorando de entendimento MapInet/IGAC?

Bem, termino como comecei,

Liberdade? Sim. Sempre. Desde que conformada aos ditames do Sultão.

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