Quando se desafia um grupo de pessoas a identificar, durante um período de dois minutos, possíveis aplicações para um clip, a maioria dos presentes consegue imaginar quatro cenários. Curiosamente, perante uma situação semelhante, quando de antemão se transmite aos entrevistados a necessidade de conceberem aplicações não tradicionais para um clip, (por exemplo, fundir uma centena de clips e produzir uma esfera de metal) o número de respostas mais frequente aumenta de quatro para doze. Este processo mental denominado “Pensar Fora do Vulgar” (PFV) é, actualmente, um factor extremamente importante no desempenho e funcionamento das instituições económicas.
Na nova economia, instituições privadas ou públicas, necessitam de uma grande eficiência, flexibilidade, estratégia e visão, pelo que a existência de departamentos concentrados exclusivamente no processo PFV é cada vez mais relevante. Estes grupos PFV, focados na inovação, no futuro e na criatividade não são uma ideia nova. Na verdade foram lançados há cerca de 50 anos pela empresa aeroespacial norte-americana Lockheed Martin através de uma unidade inovadora com o intuito de desenvolver a nova geração de tecnologias e produtos. Esta empresa descreve o sucesso desta iniciativa na capacidade que tiveram em identificar os melhores talentos no campo da aeronáutica, hibridizá-los e equipá-los com as melhores ferramentas disponíveis e subsequentemente criar um ambiente de absoluta criatividade com vista à obtenção de soluções inteligentes e inovadoras. Esta ideia de formar grupos PFV passou a ser emulada por várias outras empresas, como por exemplo a Ford Motor, a McDonell Douglas e a Boeing, com o objectivo de desenvolver produtos de uma forma eficaz e económica. Mais recentemente, este modelo passou a ser também adoptado pelo corpo governamental de vários países, como por exemplo a administração do ex-Presidente Clinton, através do gabinete do Vice-presidente Al Gore. Este gabinete desenvolveu um programa de “Reinvenção do Governo” com o objectivo de encontrar projectos inovadores e arrojados que pudessem ser capitalizados no sentido de melhorar o funcionamento do sistema burocrático norte-americano.
Em Portugal, ao contrário do que se tem verificado ao nível das instituições privadas, as instituições públicas continuam absorvidas em procedimentos obsoletos e não reagem aos desafios lançados pela nova economia. Os actuais governos continuam a focar os seus esforços em gerir os seus programas diários, e não em compreender as rápidas alterações da sociedade e em planear possíveis intervenções que possam servir de catalisadores à mudança. De facto, nos organismos públicos, o pensamento estratégico raramente ocorre e é muitas vezes desencorajado devido a questões orçamentais.
A nível de governo, os departamentos PFV têm que funcionar distantes da gestão burocrática para poderem exercer as devidas funções, mas não devem actuar desconexados do corpo executivo. Neste contexto, os departamentos PFV deverão estar ligados ao gabinete do primeiro-ministro com a finalidade de poderem transferir as ideias inovadoras geradas para a realidade política nacional. Se estes requesitos não forem cumpridos, não será fácil atrair as pessoas com a criatividade indicada para uma operação desta índole ser bem sucedida.
Estes grupos PFV são, portanto, a semente que os novos governos devem considerar para iniciarem a transição de um sistema burocrático para um sistema empreendedor e catalítico, onde as agências governamentais devem seguir principios meritocráticos de incentivo, onde as políticas implementadas se fazem conduzir por objectivos estratégicos bem definidos, onde o desempenho dos orgãos governamentais é avaliado pelo corpo executivo. Os grupos PFV poderão, assim, encontrar novas soluções para questões pertinentes que se colocam a Portugal, como por exemplo a descentralização do sistema político, o planeamento orçamental de Estado a longo-prazo, o investimento de fundos públicos, a prevenção da saúde, a reinvenção do ensino superior, o combate aos fogos florestais. A nova economia necessita de governos com capacidade e flexibilidade para se ajustarem aos desafios actuais. Afinal de contas, um clip pode ser muito mais útil como ponteiro de uma bússola do que a prender folhas de papel.