Um dos argumentos que tem sido utilizado pelo governo para não atender às pretensões dos enfermeiros é que as mesmas representam um elevado encargo orçamental e que o mesmo não consegue ser todo acomodado. É uma falácia, como ficará demonstrado.
Ora, é sobejamente sabido que os sindicatos até aceitam que não seja tudo para agora, pelo que a recusa peremptória do governo só revela que mais do que uma questão de impacto orçamental o que estamos a assistir é a uma recusa com base em pressupostos (preconceitos) políticos. É também inultrapassável que mudanças num grupo profissional num determinado sector geram ondas de impacto no restante sector além de ser necessário atender aos impactos sistémicos na restante Administração Pública e na sociedade em geral (nomeadamente no sector privado e social).
Mas, até agora, desconhecem-se quaisquer estudos nesta matéria, o que só reforça a tese de que estamos perante uma recusa política com base em opções que não são tornadas claras e em preconceitos. E é aqui que chegamos ao cerne da questão: às opções políticas e a quem tem a sua responsabilidade. Já se percebeu que desde o primeiro-ministro ao ministro das finanças todos se vieram pronunciar sobre o problema, o que quer dizer que o mesmo assumiu uma natureza sistémica e que implica uma abordagem integrada ao nível do Governo.
Mas era preciso tanto? Não, não era. E porquê? Porque quem devia ter desenhado uma solução que permitisse atender à resolução das injustiças mantendo o equilíbrio orçamental era o Ministro da Saúde.
Porém, em vez de fazer o que lhe competia, optou por entrar numa de braço de ferro, contra os enfermeiros. E como se tal não bastasse, ainda se deu ao luxo de usar abusivamente a máquina burocrática do Estado e o poder das nomeações e dos favores políticos para lançar um ataque quer jurídico que comunicacional sem precedentes na história recente da República Portuguesa. Pois bem, saiu-lhe o tiro pela culatra, como diz o povo, porque os enfermeiros não são os seres subservientes e amedrontados que habitam os preconceitos confabulados da cabeça do Sr. ministro.
Mas voltando à falha grave do ministro da saúde, era possível acomodar o caderno reivindicativo que estava em cima da mesa mantendo o equilíbrio orçamental? Era, se estivéssemos perante um bom gestor e um político de craveira. Senão vejamos: – Quantos milhões são gastos em produção adicional (SIGIC) de forma injustificada? – Quantos milhões desaparecem anualmente em material clínico, nomeadamente dos blocos operatórios, para unidades privadas sem que nada se faça quanto a isso?
– Quantos milhões são gastos em horas médicas extraordinárias apenas porque se quer manter os processos de produção de cuidados na sua lógica ancestral, arcaica e ineficiente?
– Quantos milhões se gasta em convencionado, como por exemplo nas áreas da medicina física e reabilitação, da imagiologia e laboratorial, sem qualquer acrescento de valor para a prestação de cuidados de saúde?
– Quantos milhões se gasta em prestações externas de serviços cuja qualidade e níveis de produção não são devidamente auditados, ignorando-se olimpicamente que a internalização dessas prestações no SNS sairia muito mais barato (por exemplo, o cheque-dentista).
– Quantos milhões são gastos em medicamentos cujo valor acrescentado é duvidoso e não está devidamente demonstrado mas que ainda assim são autorizados para uso nos hospitais?
– Quantos milhões são gastos em intervenções cujo custo-efectividade é escandalosamente baixo (por exemplo, cirurgias extremamente caras onde nem sequer há certeza que os doentes consigam sobreviver ao pós-operatório por força das suas condições pré-existentes)?
– Quantos milhões são gastos em material clínico cujas vantagens associadas são extremamente baixas ao comparar-se com outro já existente e que é significativamente mais barato, apenas porque X ou Y não aceitam trabalhar se não for com aquele material?
Em suma, que aumento de efectividade poderia estar a ser feito no SNS e que por incompetência política não foi colocado no prato da balança contrário ao do caderno reivindicativo dos enfermeiros? E quem é o responsável por essa incompetência? A quem interessa manter este estado das coisas? Quem são os beneficiados por toda esta ineficiência, desperdício e fraude? Os cidadãos não serão, certamente.
Fica claro que, acima de tudo, o que temos não é um problema de cabimento orçamental, mas sim um problema de comportamento ministerial. O SNS merecia mais. Os Enfermeiros e Portugal também.
O número de enfermeiros convergiu para a média da Zona Euro, mas permanece comparativamente baixo. Como resultado o rácio de enfermeiros por médico está significativamente abaixo da média do euro (1,5 e 2,3, respectivamente), o que leva a um mix de inputs mais caro. RELATÓRIO DO FMI ANEXO AO RELATÓRIO ANUAL DE ANÁLISE À ECONOMIA PORTUGUESA