Blogue Insónias

Final e fim de semana à Hollywood. Onde? Em Portugal, claro. Olhem 10 mil milhões de euros a voarem…viram? Não? Nem o anterior SEAF. Nem o anterior Governo.

O registo de notícias sobre uns miseráveis 10 mil milhões de euros que terão fugido à malha da Autoridade Tributária, no período entre 2011 e 2015, fazem as delícias das barricadas, sociais, em que muitos se vão entrincheirando. Quando o “caso sms” esquentava, sobremaneira, nas mãos de Mário Centeno, de António Costa (e, por arrasto, do Senhor Presidente da República), e pressionava o actual executivo, e o acordo das esquerdas que o sustenta, eis que uma notícia sobre a (alegada) inoperacionalidade da AT repunha algum equilíbrio nos pratos da balança.

Aqui, o alvo, o anterior SEAF, Paulo Núncio, saltou para a ribalta mediática, trazendo por arrasto até a implacável anterior Min-Fin, Maria Luís Albuquerque.
Já lá vamos.

Com pouco esforço, numa análise equidistante, verificamos que a luta política nacional perde-se muito nestes tacticismos. Neste, toma lá, dá cá. Atirar a luz para o adversário, quando o foco queima parte das nossas hostes, é o expediente mais típico na nossa política. Mentir, ou mentir menos, é o normal na política. Acreditar, ou acreditar um poucochinho, também. Não fosse a política, em certa medida, a arte da (des)ilusão, certo é que as redes sociais borbulham com estes expedientes. O trolling ataca em cada página. E, ou estamos do lado certo da força, ou empurram-nos para fora. Basta uma expressão, uma qualquer, que saia em desabono desse lado certo da força. Um verdadeiro regime democrático: quem está comigo, está. Quem não está, rua! Divertidíssimo.

Contudo, e em abono da verdade, o marxismo-leninismo de tal agitprop não passa disto: as bolhas dos trolls ficam, o tempo passa. E a política, essa vai-se perpetuando nos moldes de sempre. Sem culpas, ou com ela morrendo solteira…
Adiante. Porque nada de especial se me oferece dizer para ressuscitar as “sms”, sigo o agitprop do momento e foco-me no caso das offshores. Grave? Ou, nem por isso? 10 mil milhões de euros é uma pipa de massa. Mas, terá o fiscalizador sido negligente? Ou algo fez sobressair uma negligência? Gostaria de partilhar algumas perplexidades que fui encontrando ao longo de 5 minutos de pesquisa no meu browser.
Começo por recordar, e parto por exemplo, de uma afirmação do antigo Director-geral dos Impostos, José Azevedo Pereira. Tendo constituído uma equipa especial dentro do fiscalizador, conseguiu identificar cerca de 1000 famílias, das mais ricas – cujo termo anglo-saxónico típico é o “high net worth individuals”. Segundo Azevedo Pereira, este nicho, especial, de contribuintes, pelo menos em teoria, deveria, por si só, assegurar cerca de 25% da receita efectiva do nosso IRS. 25%. Vinte e cinco por cento! Outra vez, 25%!

Não obstante, em Portugal, dos portugueses, apenas asseguram 0,5% do total do imposto pessoal. 0,5%. Uma ligeira, pequeníssima, diferença de 24,5%!!! O que são 24,5% de IRS sonegado à tributação efectiva nacional? Não acreditam? Vejam o vídeo.


Pego no lead deste meu texto e constato esse tal final e fim de semana estilo 89.ª gala dos Óscares. Note-se que todo o burburinho anda em torno de 20 (sim, vinte!) declarações com deficiências. Vinte! O que, assim a seco, sem mais informação, atendendo a que se reportam ao período entre 2011 e 2015, tanto poderão ser 20 por cada ano (e seriam 80), como 20 pelo período dos 4 anos (e até poderão ser 5 por ano) em que os dados e as estatísticas das mesmas não foram objecto de publicação. Como, supostamente, tinham de sê-lo. O lema «forte com os fracos, fraco com os fortes» parece cair-lhes que nem uma luva. Mas já lá vamos um pouco mais ao detalhe.
«Erro informático». A desculpa, salomónica, de sempre. Curta. Mas possível. Cobre uma parafernália de incompetências. Perdão, erros. Porém, há um problema. Desde logo, o princípio do need to know aparece enviesado. Não vos parece? Vejamos. O problema adensa-se, com as fontes (anónimas?) que informaram um órgão de comunicação social que estas VINTE declarações, com deficiências, e que estariam a ser monitorizadas pela AT, terão sido adulteradas dentro da…própria AT. Pior ainda quando, «Os inspetores tributários responsáveis pela análise desses ficheiros [modelo 38] garantem que o desvio de quase 10 mil milhões de euros, corrigido nas estatísticas de dezembro de 2016 relativamente às de abril, dizem respeito a 20 declarações a que nunca tiveram acesso, “algo de anormal, sustentam.  Grave, no mínimo. E estou a tentar continuar sério. Mais grave, porém, é não perceber, ainda, como é que essa adulteração se processou. «Erro informático», sendo possível, parece-o cada vez menos, e a sistémica desculpa com que a AT se escuda, esvai-se. Até porque, tendo tal ocorrido dentro da organização que tem a responsabilidade de fiscalização sobre tais dados, esta adulteração não poderá deixar ninguém indiferente.

À medida que passavam as horas, foi ainda possível perceber que, das tais 20(VINTE) declarações que terão escapado ao crivo da toda poderosa AT, 12 (DOZE!) dizem respeito a transferências realizadas só em 2014. Doze em vinte. Só em 2014. Impressionante. Com efeito, acredito só uma(s) festarola(s), offshore, para comemorar a saída limpa daquele processo de ajustamento que vivemos até 2014, poderá explicar esses 60% de declarações deficientes.
Paulo Núncio, o anterior SEAF com responsabilidade na matéria, entretanto, começara por atirar as culpas para cima do aparelho fiscalizador que lhe cabia controlar. «Paulo Núncio atribui culpa ao fisco pelas fugas para offshores» . Porém, o foco estava preso ao anterior SEAF e, se num primeiro momento a culpa era da máquina, numa espectacular reviravolta hollywoodesca, o homem,  numa atitude reveladora de grande carácter assumiu a responsabilidade política por tão grave (des)controlo dentro da AT.  Sustenham a respiração. A procissão nem saiu do adro.
Como sempre, nestas coisas da política portuguesa, fica-me sempre uma dificuldade em compreender este tipo de volte-face. Querem ver? Recupero um pequeno trecho. Contrariando pareceres da IGF, o SEAF, Paulo Núncio permitiu uma isenção fiscal a grandes grupos económicos, logo em 2011, pouco tempo após ter tomado posse. Em crescendo, o suspense, arrebata-nos. Parto de uma expressão da actual líder do CDS, que, em defesa de tão nobre gesto, afirmou: «O país deve-lhe muito no combate à fraude e evasão fiscal». Ora, a ser verdade tais isenções, de facto, uma ínfima parte de meia-dúzia de portugueses dever-lhe-á, por certo.  Acredito que essa ínfima parte, que beneficiara directamente do Despacho de Paulo Núncio, no sentido de contribuir para a isenção fiscal de milhares de milhões de dividendos dos seus grupos económicos, estar-lhe-à grata. O resto dos portugueses que viram a toda poderosa AT cobrar impostos sobre carros que já tinham enterrado fazia longo tempo, mas que ainda constavam no silo desta, não. De certeza. Nem aqueles a quem o brutal aumento de impostos cortou, a régua e esquadro, muitos dos seus rendimentos do trabalho. Mas aquela infíma parte, essa estará grata, acredito.

O tempo passou, governou por mais quatro anos, e só um “erro de percepção” do anterior SEAF, que, segundo Azevedo Pereira, nem ao fim de 04 anos terá sido resolvido, conseguiu pôr a descoberto (mais um) o buraco no controlo de grandes somas de dinheiro por parte da toda poderosa AT. E assim, 10 mil milhões de euros passaram a voar…viram? Não? Nem o anterior SEAF. Nem o anterior Governo. Ninguém, ao que parece.

E assim vai a política à portuguesa. Aqui d’El Rey, que todos agora querem CPI’s para perceber o que de facto se passou. Paulo Núncio, esse, já abandonou – ou informou que o faria – toda a actividade política ligada ao CDS. Do anterior governo, só um repúdio pelas notícias. Certo é que a competentíssima ministra das finanças não se pronunciou. Também será «erro informático»?

O resto? Bem, vale o sossego de saber-se que as dívidas, putativas ou não, só deverão prescrever em 2022, e anos seguintes. Veremos o que rezará a história futura acerca de mais um exemplo (outro) do provérbio: «forte com os fracos, fraco com os fortes». Está prometido um novo episódio. Hollywood espera-nos.

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