Blogue Insónias

Doutro Tempo

Constato, dia após dia, que sou cada vez mais doutro tempo.
E se em termos pessoais convivo bem com essa realidade constituída pelo passar dos anos já em termos político/partidários convivo cada vez pior com a realidade de nalguns aspectos o meu partido já não ser o que era e estar cada vez mais num tempo e num modo que já não é o meu.
Refiro-me claramente à banalização dos orgãos estatutários por força de um absurdo “presidencialismo” que vem tomando conta do PSD a todos os níveis organizacionais e que cada vez mais submete orgãos a presidentes.
Quando me filiei na JSD, em Janeiro de 1975, fazer parte de uma comissão política (do partido ou da jota) era um sinal distintivo, quase uma honra, que ainda mais se acentuava quando se fazia parte de orgãos distritais ou nacionais que eram vistos como os patamares onde tinham assentos os melhores dos melhores chamemos-lhes assim.
Ao longo do meu percurso na Jota, até 1987, e depois no PSD em que tive oportunidade de integrar orgãos concelhios, distritais e nacionais habituei-me a regras de funcionamento simples mas que mantinham o partido “vivo” e fomentavam a participação dos militantes nos seus orgãos.
As comissões políticas concelhias e distritais reuniam semanalmente, regra geral à segunda feira à noite, e se o presidente não pudesse estar presente por este ou aquele impedimento a reunião fazia-se de igual forma com os trabalhos a serem conduzidos por um dos vice.presidentes.
Os plenários concelhios e as assembleias distritais realizavam-se ou em sextas feiras à noite ou sábados à tarde sendo apenas a titulo muitíssimo excepcional realizadas noutro dia porque o interesse estava na participação do maior número possível de militantes/delegados.
Foi assim durante muitos anos.
Os orgãos existiam, funcionavam, eram respeitados e as suas reuniões tinham significado político.
Em termos nacionais  a comissão política nacional (não apenas a comissão permanente) reunia com grande regularidade, lá se discutiam opções políticas e a estratégia e opinião dos lideres era sufragada pelos restantes membros depois de discutida às vezes durante horas.
O Conselho Nacional reunia ao fim de semana (ás vezes durante dois dias), em vários pontos do país e não apenas em Lisboa (ficaram famosos alguns conselhos nacionais no tempo de Sá Carneiro como os realizados em Bragança ou na Maia por exemplo) , e lá se debatia política pelo tempo que fosse preciso sem condicionamentos horários.
Depois passou a reunir apenas num dia, ao sábado, na sede nacional o que não sendo tão descentralizador como nos primeiros anos do partido era ainda assim melhor do que aquilo a que se assiste hoje.
E qual é então a situação actual que me faz sentir tão “doutro tempo” ?
Comecemos pelo mau exemplo nacional.
O Conselho Nacional passou a reunir a meio da semana à noite o que sendo muito útil para quem vive em Lisboa (não “estraga” o fim de semana), ou para quem lá está à semana no parlamento (podem voltar para casa na sexta feira), é completamente despropositado para os restantes conselheiros que tem de se deslocar a Lisboa a meio da semana com prejuízo das suas vidas profissionais.
Deixou de reunir na sede e migrou para hóteis de cinco estrelas o que é, do meu ponto de vista, um péssimo sinal que se dá ao povo que nem o facto de o PS fazer o mesmo com os seus orgãos correspondentes diminui enquanto erro.
E o ser à noite, a meio da semana com as pessoas a terem de trabalhar no dia seguinte, naturalmente que diminui a motivação e a disponibilidade para debater os assuntos com o tempo e a profundidade que seriam necessários em tantos casos.
A comissão política nacional (não a permanente repito),essa, outrora fórum de importantes discussões estratégicas e decisões fundamentais para o partido passou a reunir, na maior parte das vezes, ao fim da tarde dos dias em que há conselho nacional mais para “fazer de conta” e cumprir formalismo estatutário que para tomar qualquer decisão devidamente debatida porque o horário o impede e a vontade também não é muita.
E isto projectado para os orgãos distritais e concelhios tem como resultado, em muitos lados, as reuniões semanais das comissões políticas terem sido substituídas por reuniões quinzenais e em muitos casos por reuniões quando o respectivo presidente pode, lhe apetece, está disponível e assim sucessivamente.
Cada vez se discute menos, se debate pior, se respeita e prestigia a colegialidade dos orgãos porque há presidentes que tudo pensam, tudo reflectem, tudo decidem, tudo mandam fazer.
São, ironia do destino, os “donos disto tudo” dos respectivos orgãos!
O que leva a que os outrora importantes fóruns de discussão, e decisão, que eram as assembleias distritais e os plenários concelhios se venham progressivamente transformando em orgãos amorfos, caixas de ressonância do presidente da concelhia/distrital,onde tudo chega já decidido, onde cada vez mais se discute menos, onde o frequente olhar para o relógio de quem dirige os trabalhos funciona como uma mensagem subliminar de que se está ali a perder tempo porque o que havia para decidir já o estava antes da reunião começar.
E por isso até a “regra sagrada” de os plenários/assembleias serem à sexta à noite ou sábado á tarde/noite se vai perdendo em função da marcação de reuniões desses orgãos para dias aleatórios e hora incompreensíveis mais para cumprir formalismos estatutários do que para permitir a esses orgãos o cabal cumprimentos das suas funções estatutárias.
Vamos por mau caminho.
Um caminho que leva à banalização e desprestigio dos orgãos, ao desinteresse dos militantes, à cada vez menor participação nas reuniões de carácter deliberativo por os seus membros se capacitarem que vão lá decidir…o que já está decidido.
Admito que esta minha visão pessimista da realidade possa ser uma visão “doutro tempo” e que hoje as coisas são diferentes e por isso assim é que está bem.
Ok, até pode ser, embora a estatística tenha muita dificuldade em provar que a cada orgão corresponde um génio que pelas suas qualidades imensas substitui vantajosamente os benefícios da colegialidade e do debate interno pelas decisões “iluminadas” de quem preside.
Ficarei convencido disso quando os resultados eleitorais do “novo tempo”, a que decididamente não me adapto, forem aos menos iguais aos “doutro tempo” de que tenho saudades.
É que os resultados , no rigor dos números, não mentem!
E por isso quando a questão da liderança do partido se voltar a pôr,daqui a dois, quatro ou seis anos, a minha decisão sobre quem apoiarei residirá em grande parte naquilo que os candidatos proponham para a reforma interna do partido, para a revitalização e prestígio dos seus orgãos, para acabar com este nefasto “presidencialismo” que o está a destruir por dentro.
Porque grandes propostas para o país já sei que todos eles terão.

 

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