Blogue Insónias

O diabo anda à solta

Vivo um dilema moderno;

As redes sociais intoxicam-me, mas preciso delas.

Não me armo em santo.

Já tive a minha conta. Uma vez.

Uma vez, uma piada mal contada, que nada tinha a ver com nada, a não ser uma brincadeira entre colegas de trabalho, deu em centenas de ameaças de morte, e de outras coisas mais.

Senti-me mal.

Nunca vira tamanho ódio, nunca o tinha sentido, sobretudo, porque era real, perante uma percepção errada.

Aprendi, apesar de, anos depois, sublinhar que houve uma reacção porque as pessoas, nas redes sociais, entenderam algo, que foi completamente mal entendido.

Mas, não houve hipótese, fui trucidado.

Aguentei as consequências – sim, há consequências.

Aprendi.

Revi o meu posicionamento nas redes sociais, a forma como as utilizo, e o uso que delas faço.

Creio que, anos depois, à distância, aquelas pessoas que mal me interpretaram, conseguem concluir que nada daquilo era o que pensavam ser.

Revi o meu comportamento, contudo, e a minha intervenção.

Dei-me bem com o erro.

Não tenho telhados de vidro, assumi sempre os meus erros, até mesmo aqueles que não são meus.

Penso que tenho crédito para enfrentar o meu dilema.

Não quero estar, não tenho como não estar nas redes sociais.

As redes sociais servem para manter contactos, para assinalar momentos, para os amigos os verem, porque gostamos deles, para pedir favores, porque não, para elogiar, para aplaudir, para criar dinâmica e energia positiva. A vida já é tão lixada.

Assim, reposicionei-me, e passei a encarar a minha presença no Facebook, Instagram, Twitter de uma forma muito mais sensata e positiva, e chega.

As redes sociais servem para eu saber o mundo, como ele vive cada dia, as notícias, para me espantar com coisas fantásticas, para me manter ligado, como nunca.

O outro lado do dilema.

Todos os dias, quando entro nas redes sociais, a sensação que tenho é que o ISIS tem uma célula virtual, em Portugal, no Facebook, sobretudo, que uso pouco o Twitter.

O fundamentalista virtual.

Aquele que apela a paz a à união e ao amor, e que deseja a morte, espalha ódio insano, acreditando que é impune a tudo, mesmo aos seus mais próximos, que o seguem também.

Uma brutalidade, dirão, prefiro pensar em cacto peyote.

Aquilo que publico nas redes sociais é, em rigor, aquilo que eu converso com amigos, em casa, no trabalho, no restaurante, no ginásio, ou poderia conversar.

Penso sempre, antes de publicar, em que vai ver o que publico, estabeleço uma hierarquia;

Os meus filhos, a minha mulher, os meus pais, o meu antigo chefe, o actual, o futuro, os meus amigos e só depois publico, o corrijo, ou publico e edito, ou não publico.

É o meu padrão.

Isso não advém da mudança que decidi, há uns anos, isso advém de mim, enquanto homem, cidadão que vive no mundo, em Portugal, no planeta Terra. Enquanto ser gregário, social, humano.

Entendo as redes sociais, do outro lado do meu dilema, como uma realidade, não como algo virtual. Entendo-as assim, em ambos os lados do meu dilema, para ser mais rigoroso.

O telefone, por exemplo, também serve para comunicar, exactamente como as redes sociais, e não é por isso que é virtual.

Esta é a falha.

“Mind The Gap”!

Custa-me, portanto, a acreditar que as pessoas, que no gozo do direito de expressão, se expressem de forma grotesca, é o que me ocorre, como se a vida fosse impunemente vivida dentro de uma plataforma de comunicação, em exclusivo.

Se estiver enganado, então estou enganado, o mundo é muito pior que aparenta querer ser.

Não acredito que as pessoas que no gozo do direito de expressão se expressem da forma grotesca quando conversam com amigos, em casa, no trabalho, no restaurante, no ginásio.

Que direito tem alguém de desejar a morte a outro ser humano, desejar mal, ofender, ameaçar, trucidar gratuitamente, quando a sua foto de perfil mostra um chefe de família, com um bebé ternurento ao colo, ou um senhor de bigode, que até vive na Austrália, mas acha que deviam morrer todos, ou coisas do género, que não estou aqui a particularizar.

Somos Charlie, Londres, Paris, Pedrogão, Bruxelas, Manchester, somos solidários até à medula, somos combatentes, somos aquele povo que saltou, num só salto, quando o Eder marcou aquele golo, somos tudo isto, somos muito mais, e que bom, somos raros.

Tão raros que, um minuto depois, já queremos tudo aquilo que não somos.

Não somos inimputáveis, não somos impunes, não somos nada disto, somos pessoas, pessoas, que direito têm?

Isto não vem de agora.

Vem de longe, tem uns dez anos, só se agudizou nos últimos anos, tal como o abjecto terrorismo que criticam, que criticamos, porque só assim tem que ser.

As redes sociais são palco, com plateia para espectáculos, eu gostava de escolher aquele que quero ver.

Entende o dilema?

Não?

Eu explico, rápido;

O diabo anda à solta, por estas terras que ardem.

O que quero saber é quando é que “ele” desiste, o resto só me provoca urticária.

Quando os homens bons, que por nós lutam, esses sim, homens bons, “O” matarem, iremos todos sair um pouco desta louca pressão.

Mas, a inquietude não me passa.

Nem o meu dilema se resolve.

O diabo continuará à solta, como até aqui, nas redes sociais.

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