O Banco de Portugal divulgou ontem os resultados preliminares de uma auditoria independente realizada pela Deloitte, a qual apresenta uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores do Banco Espírito Santo, S.A. («BES») no hipotético cenário de liquidação do BES a 3 de agosto de 2014, caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução.
Recordo que o colapso do BES já custou mais de 16 mil milhões de euros. As contas são fáceis de fazer:
- Em 2014 o “banco mau” registou um mega-prejuízo de 9.196 milhões de euros;
- O Estado e os Bancos colocaram 4,9 mil milhões de euros para capitalizar o Novo Banco (3,9 milhões injetados pelo Estado a partir do dinheiro emprestado pela troika para o sistema financeiro – estamos a pagar isso a taxas de juro que rondam os 3%);
- Os dois mil milhões de euros obtidos com o ‘bail in’ da dívida sénior da instituição (Dezembro de 2015).
A fatura final é muito complexa de calcular. Depende do valor de venda do “Novo Banco”. Depende também do desfecho dos processos judiciais que foram colocados por accionistas e detentores de dívida do BES, os quais questionam a medida de resolução. Os eventuais custos desta litigância serão assumidos pelo Fundo de Resolução que, embora seja um veículo público, é financiado pelo sector bancário.
Os resultados desta auditoria são muito significativos e merecem ponderação. O que diz a auditoria?
- O valor estimado de realização dos ativos do BES em cenário de liquidação seria de € 38 440 818 000, o que corresponderia a cerca de 62% do valor líquido contabilístico do ativo do BES antes da aplicação da medida de resolução (€ 61 932 491 000).
- O valor estimado dos créditos sobre a insolvência ascenderia a € 60 017 156 000, dos quais 51% corresponderiam a créditos privilegiados e garantidos, que assim teriam um nível de recuperação de 100% em cenário de liquidação do BES.
- Em cenário de liquidação, o nível de recuperação dos créditos subordinados seria nulo e o nível de recuperação dos créditos comuns seria de 31,7%.
- Face à dimensão e complexidade do Grupo BES, a sua entrada em liquidação iria originar uma disrupção abrupta das relações múltiplas existentes com clientes, fornecedores, colaboradores, acionistas ou concorrentes.
Em linguagem simples, o que a auditoria está a dizer é que o cenário de liquidação teria permitido que os credores tivessem recuperado uma maior percentagem dos seus ativos: 100% os credores priveligiados, 100% os credores garantidos e 31,7% os credores comuns. Os credores subordinados perderiam tudo. Os depositantes estariam protegidos pela lei até 100 mil euros. Entre os credores privilegiados do BES está o Estado (2,97 mil milhões de euros), cuja ‘fatia de leão’ consiste em garantias prestadas (2,91 mil milhões de euros) e o restante montante é relativo a impostos (64,1 milhões de euros). Para além disso, nos termos da lei aplicável, caso se verifique, no encerramento da liquidação do BES, que os credores cujos créditos não tenham sido transferidos para o Novo Banco, S.A. assumem um prejuízo superior ao que hipoteticamente assumiriam caso o BES tivesse entrado em processo de liquidação em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução, esses credores têm direito a receber a diferença do Fundo de Resolução. Ou seja, a fatura chegará ao sistema bancário e o Estado.
Na verdade, o Fundo de Resolução terá também de pagar as eventuais indemnizações decididas em tribunal. Isto é, se a Justiça der razão a contestações em tribunal de quem se considerar lesado por decisões tomadas no âmbito da resolução – decisão tomada pelo Banco de Portugal – é o Fundo de Resolução que responde financeiramente.
Fica somente a questão do efeito sistémico da liquidação do banco, bem como o desemprego que geraria entre os colaboradores do banco (como foi gerando ao longo do tempo, mesmo com a resolução). A auditoria fala de uma “disrupção abrupta”. E basicamente esse é o grande argumento para a resolução. No entanto, o mesmo argumento foi usado com o Banif que era um banco pequeno (o 8º do sistema bancário nacional). No entanto, esta auditoria, bem como outras deste tipo, serão usadas extensivamente nos processos judiciais para calcular o montante de indemnizações a pagar pelo Fundo de Resolução. Isso terá um impacto significativo nos outros bancos, pois são eles que suportam o Fundo de Resolução. Mas também no Estado, que lá tem 3,9 mil milhões de euros de dinheiro emprestado pela troika e do qual paga juros. Portanto, o efeitos de disrupção também existe e é muito significativo no caso da resolução.
Em 2014, as alternativas ponderadas eram a resolução e a nacionalização. Não havia ninguém – leia-se entre os decisores políticos, nos partidos e nas entidades oficiais – a defender a liquidação. O que esta auditoria vem dizer é que essa era provavelmente a melhor hipótese. Que não foi defendida por ninguém. Funcionou o medo do efeito sistémico. A própria auditoria diz isso:
Mas não é para ponderar todas as hipóteses, ter preparados todos os cenários, que existem governos, entidades de regulação e supervisão, entidades de fiscalização e pessoas pagas pelo Estado para o fazerem? Todos esses cenários não deveriam estar já bem estudados de forma a poder fazer uma avaliação? Perceber que num caso que já custou 16 mil milhões de euros não foram vistas todas as hipóteses e que, por acaso, a solução eventualmente mais favorável nem foi considerada é muito desanimador e demonstrativo da qualidade das pessoas que elegemos para gerir os interesses de todos nós.
Carlos Costa tem alguma coisa a dizer? E Maria Luís Albuquerque? E Pedro Passos Coelho?
Estilo: “Desculpem, não pensamos bem nisto”?