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Cumprir Maio

gaivota

Quando ouvimos falar em “cumprir Abril” logo associamos à esquerda radical ou folclórica e temos tendência para não levar a sério.

A verdade é que 40 anos depois falta cumprir Abril, eu diria antes falta cumprir Maio para ser mais preciso. Isto porque na verdade a revolução dos capitães mais não foi que uma rebelião de classe na defesa dos seus interesses mais ou menos imediatos. Esta realidade é difícil de desmentir quando olhamos para os números e verificamos que temos mais generais que a Alemanha. Os militares mais que preocuparem-se com os portugueses ou com o país, cuidaram foi de tratar da vidinha e deram-se muito bem.

O verdadeiro “espírito de Abril “ consubstanciou-se naquele 1º maio de 1974 com a adesão quase unânime do povo à liberdade e à construção de uma sociedade mais justa.

Quarenta anos depois ninguém de bom senso poderá ter duvidas dessa opção, pela democracia pluralista e europeísta da esmagadora maioria dos portugueses.

Quando em 1979 deram a maioria à AD e depois de 9 meses de governo de Sá Carneiro reforçaram essa maioria, penalizando os partidos mais à esquerda indicaram que o caminho era o da convergência com os países mais desenvolvidos da Europa e ainda com a construção de uma relação pragmática, sem ressentimentos ou sentimentos de culpa com os novos países de língua portuguesa.

Infelizmente a morte de Francisco Sá Carneiro foi uma machadada na esperança dos portugueses numa vida melhor, na construção de uma Democracia adulta , de um país prospero e justo, pois não apareceu mais nenhum politico com a sua clarividência e sobretudo com uma visão sem qualquer equivoco de qual o caminho a seguir e do que era necessário fazer para lá chegar.

A década de governo de Cavaco Silva foi como uma quimera nesse caminho, pois foram criadas as infraestruturas que permitiriam o país seguir a senda do progresso. Paz, pão, habitação, saúde, educação levaram nesses 10 anos um impulso que deveriam ter levado o país para a prosperidade e para o clube dos países mais desenvolvidos da Europa. Temos recursos humanos e uma situação geográfica capazes de com facilidade colmatar a falta de recursos naturais, assim fossemos capazes de potenciar esses valores.

Que falhou, então?

O costume! O mesmo que falhou quando passámos de maior Império colonial e interposto comercial do século XV para uma colónia espanhola em menos de um século.

O desenvolvimento da década de oitenta não foi um desenvolvimento sustentável, depois de criadas as infraestruturas necessárias, não tivemos engenho e arte para aproveitar os fundos comunitários e com eles criar uma economia com base na inovação e na qualidade à imagem dos qualificados recursos humanos que as nossas universidades formaram.

Em vez disso transformámos os fundos em dívida duplicando infraestruturas para encher os bolsos dos amigos, alguns ex-ministros, e paralelamente criamos não um mas dois monstros insaciáveis: – Um funcionalismo público pago acima da media e totalmente improdutivo e uma prole imensa de subsidio dependentes, gente que nunca trabalhou, mas que também não quer trabalhar, pois o regresso da mentalidade de uma maioria de empresários impreparados que acham que a competitividade se ganha com baixos salários, faz com que se ganhe menos a trabalhar que em casa a receber os subsídios estatais.

O século XXI tem-se pautado pelo retrocesso em todas as vertentes da vida portugueses. De ano para ano temos piores políticos, menos preparados, mais corruptos, mais desenvergonhados. O rendimento médio das famílias tem diminuído na mesma medida dessa impreparação dos governantes e do alheamento da politica de quem tem algum mérito ou vontade de mudar de rumo.

Neste século conseguiu-se acabar com a classe média, aumentou o fosso entre os mais ricos e os mais pobres e potenciaram-se as assimetrias entre o litoral e o interior.

A recente evolução da vida política portuguesa faz relembrar os tempos conturbados do verão quente de 1975, quando uma minoria vanguardista tentou impor um caminho que os portugueses tinham rejeitado nas urnas.

Alegremente e sem reagir assistimos ao aumento do desemprego, ao abrandar da economia, ao aumento dos juros da divida que terá como consequência mais um aumento de impostos e de cravo ao peito aplaudimos o regressos dos agora generais às comemorações da revolução, generais que 40 anos depois continuam preocupados apenas com os seus interesses de classe.

Há ainda, apesar de tudo, quem acredite que um Maio destes o povo vai voltar a sair à rua para exigir que se cumpram todas as promessas que ficaram no ar naquela tarde soalheira do 1º de Maio de 1974.

Melhor que aqueles que continuam a acreditar na vinda de um D. Sebastião, esquecendo a tragédia de Alcácer-Quivir.

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