Ponto de ordem inicial: não sou, de todo, fã do actual sistema que nos governa. Pelo contrário. Acredito noutros valores. Admito, todavia, o virtuosismo da solução apresentada: trazer para a «governação» dois partidos que sempre se apresentaram à margem do poder e como de protesto, é uma jogada política genial. Visão política assinalável.
Neste conspecto em particular, o mérito é, por inteiro, de António Costa. Pelo espectro político com o qual mais me identifico, sempre podemos elevar o nosso estado de exaltação, a nossa discordância, a nossa antipatia. Mas, as ruas apresentam-se silentes; a paz – podre ou não! – vai-se mantendo; o actual governo vai continuando o seu caminho. Bem ou mal, o caminho – este! – também se vai fazendo ancorado nesses, outrora, partidos de protesto. Nem diabo, nem Reis magos. Convenhamos, em abono da verdade, António Costa vem-se revelando como um político de verbo cheio.
Parto precisamente desta premissa última que identifico, para insistir no tema da eleição autárquica em Lisboa. Confesso que este combate político, intenso – como o deveria ser; expectável e natural – para a Câmara de Lisboa, continua perspectivado num passeio triunfal e abençoado divinamente para a vitória do Sr. Medina.
Cingemo-nos ao tema, Lisboa. O combate não se avizinha fácil. Pelo menos para quem se apresentar ao acto eleitoral à margem do círculo do poder criado. E aqui, o PPD/PSD apresenta-se notoriamente em desvantagem.
Este tipo de eleição diverge largamente, por exemplo, da eleição para a Assembleia da República. Se nestas, na sua grande maioria, o cidadão eleitor nem sequer consegue estabelecer uma ínfima ligação com o candidato (muito menos com a lista!) que se apresenta para representar aquele dado círculo eleitoral; nas eleições autárquicas, há, pelo contrário, uma natural maior proximidade entre o cidadão eleitor e o candidato. Salutar. Democrático. Muito mais exigente, responsabilizador, político. Demonstra uma eleição em que, por norma, o cidadão eleitor sente alguma utilidade no seu voto.
Neste tipo de eleição – para as autarquias locais – existe um poder-dever na disposição do cidadão eleitor que revela (ou pelo menos, deveria) um pendor, forte, de avaliação-final. Poderia, entre outros, representar uma arma contra a doença abstencionista que aflige o nosso sistema eleitoral. Mas, a abstenção, de causas variadas, teima em persistir agarrada ao chavão «Na política são todos iguais; logo, de que adianta votar?». Pois bem, genérica e sucintamente, enquanto o cidadão eleitor não perceber o ridículo deste chavão, de facto, o sistema político actual, instituído e criado, manter-se-à e tenderá a perpetuar-se no tempo. Nada mudará. Mas, tão-só, porque quem tem o poder para o mudar – o cidadão eleitor – se nega a fazê-lo. Logo, naquele habitual modo de viver luso do passa-culpismo, que convenientemente tendemos a projectar sobre o cidadão eleito, este deveria ser alocado, e muito, sobre o próprio cidadão eleitor. Adiante.
Voltando ao objecto. As eleições autárquicas, são eleições muito mais pessoalizadas. Em sede de acto eleitoral envolvendo por exemplo uma re-eleição, o cidadão eleitor tem, exclusivamente nesse dia, o momento e o poder único para responsabilizar a gestão e o caminho que vem sido seguido. Para o bem e/ou para o mal. Salvo alguns erros-de-casting – um dos quais, envolvendo a edilidade de Gaia, o Paulo Vieira da Silva, por exemplo, tem vindo a demonstrar aqui no Blogue Insonias – dificilmente – sublinhe-se, até pela forma singular e mais pessoal como este momento se apresenta! – um Presidente de Câmara não será re-eleito.
No caso particular de Lisboa, permito-me a recuperar a premissa inicial: a genialidade política da visão, de médio-prazo, com que António Costa delineou o seu plano, inicial, para Lisboa. Goste-se ou não, de facto, Costa é um político de verbo cheio. E será este o trunfo que servirá, a Fernando Medina, uma re-eleição em bandeja-de-prata.
Vamos a factos. O registo final apurado em 2013, para o PPD/PSD, surge como um enorme obstáculo. Em termos absolutos, em Lisboa, o PS conseguiu 50,91% dos votos, contra uns miseráveis 22,37% de um PPD/PSD que se apresentou a votos, coligado!
A eleição autárquica goza de um processo interessante: apresentam-se a eleição os órgãos para a câmara municipal, a assembleia municipal e a assembleia da freguesia. Ora, neste registo, na pessoalidade de quem vive e vota em Lisboa – unicamente em termos de poder local – constata-se ainda que uma grande parte das freguesias é governada por jovens delfins socialistas, colocados no sítio e tempo oportuno por…António Costa. Que excepção às malandrices com a recolha do lixo (que, por exemplo, em dias posteriores a festança, vai ficando esquecido na beira da estrada, à espera que alguns funcionários da junta se lembrem de o ir recolher), gozam de uma simpatia assinalável por grande parte do cidadão eleitor que vota. Até às eleições, estas malandrices da recolha do lixo acabarão por passar no rol do esquecimento, prevalecendo, por certo, a tal pessoalidade e maior proximidade inerente a este acto eleitoral.
Recentrando nos resultados absolutos de 2013, entre a abada que o PPD/PSD, coligado!, levou e a simpatia que os jovens delfins de António Costa vão gozando junto do eleitorado de Lisboa, este Facto, por si só e por consequência, deveria representar um factor de preocupação extra – pelo menos deveria fazê-lo! – para o PPD/PSD. Até porque, naquela preguiça típica de um cidadão eleitor apressado, no momento do voto, por força da forma como se desenrola o processo, adivinham-se a repetição de milhares de votos em favor da actual maioria. Até por simpatia. A aposição de uma cruz válida, nos diversos boletins, pressuposta naquela lógica do: «Gosto do meu presidente da Junta, que é nosso amigo; o da Câmara sê-lo- á de forma semelhante. Até são da mesma côr política…», está garantida. Sim, sim. Mesmo que, para a Câmara Municipal, se apresente o sr. Fernando Medina como cabeça de lista do PS.
Como se pode ler, no gráfico infra, em 2013, o PPD/PSD, coligado!,em Lisboa ganhou…
uma mão cheia de nada! E se na proximidade e pessoalidade do voto autárquico, este PPD/PSD não tem algo de motivador e diferente para apresentar, com uma mão cheia de nada continuará por muito tempo. Sossega-me, todavia, a forma profundamente empenhada como o PPD/PSD se apresenta no combate a esta actual liderança e maioria absoluta lisboeta (risos!). A lista de candidatos conhecidos, do PPD/PSD, para alterar o actual status quo político lisboeta é disso sintomático. Reitero, por isso, a minha ideia de que estas eleições, para Lisboa, continuarão partidária e divinamente abençoadas. Registo, para futuro, a forma como António Costa delineou o seu programa autárquico, em 2013. Tal demonstrará, por si só, como é possível criar, manter e prolongar um status e uma situação política no tempo. A vitória, insuperável, de Medina dever-se-à a essa genial estratégia política de António Costa, para quem, «Que se lixem as eleições» não é uma forma de estar. Sublinho este devido registo.
Sobre Lisboa, deixo, por fim, uma última interjeição.
Já que se tem falado tanto em obras e na forma tão amiga do cidadão, pedestre, como se vai apresentando a novel Lisboa, permito-me partir de uma constatação deixada pelo último edil da CML do PPD/PSD. Carmona Rodrigues, que encomendara um estudo para uma drenagem eficiente das águas pluviais em Lisboa, relativamente a 2008, pôs em evidência o seguinte: «“Antes de termos posto aqueles piezómetros na Baixa e os medidores de caudal, não havia um — e não estou a exagerar –, não havia um instrumento de monitorização do subsolo de Lisboa.”» (Vide observador.pt/especiais/os-tuneis-vao-dar-ao-tejo-cheias-nunca/).
E se o PPD/PSD se prestou a encomendar esse estudo, de 2008 até à apresentação do plano geral de drenagem de Lisboa, da equipa de Fernando Medina, pouco se fez. A actual maioria, com pompa e circunstância, anunciou-o em Julho de 2015. As obras deveriam ter começado no ano que findou. Mas, do que se conhece, para já, apenas o novo mecanismo de financiamento do BEI, denominado de plano Juncker, foi activado. Com efeito, na 124ª reunião AML, de 15 de Novembro 2016, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, por maioria, a contracção de um empréstimo de cerca de 250 milhões de euros a ser financiado pelo BEI. De um total, orçado, de investimentos para cumprir o programa LX XXI, de cerca de 520 milhões de euros, metade aparece já financiado em condições especiais pelo plano Juncker: a uma taxa de 0,5% num prazo de amortização de 20 anos. E a fazer fé nas declarações de João Paulo Saraiva, vereador das Finanças, ao plano geral de drenagem de Lisboa, caberão 131 milhões de euros.
Resta saber é quando começarão. Mas, pelo menos, dinheiro já parece haver para combater inundações. Não é, seguramente, por decreto que as inundações em Lisboa se combaterão. Pela minha parte, negligenciando a muito discutível beleza, à superfície note-se, desta Lisboa, preocupa-me, sobremaneira, este Plano Geral de Drenagem de Lisboa. Porque, desde que aqui vivo, já conheci as de 2004 e de 2008 e de 2014. Pior ainda, assinale-se, duas outras grandes ordens de razão: 1) porque, necessariamente, tal implementação do Plano de drenagem implicará novos buracos – mesmo que especialistas garantam o seu contrário; e, 2) porque, até concluído esse programa, o risco de inundações em Lisboa não desaparece.
Como 2016 já passou e nada foi feito no terreno, oxalá São Pedro mantenha a benção de protecção divina sobre Lisboa. Mesmo ante uma estratégia política genial de António Costa de criação e manutenção do poder político em Lisboa, até para isto é preciso um pouco de sorte…e esta, aqui, tem, acompanhado quem a procura.
Como se cria, mantém e perpetua um status e situação política?
Não é seguramente com um “que se lixem as eleições“! Mas antes com visão, a médio-prazo, e um pouco de sorte…