«As revoluções políticas começam com um crescimento de um sentimento, habitualmente restringido a um segmento da comunidade política, de que as instituições existentes deixaram de poder enfrentar adequadamente os problemas colocados pelo ambiente que elas próprias em parte criaram. De modo muito semelhante as revoluções científicas começam por um sentimento crescente, também geralmente restringido a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que um paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspeto da natureza para o qual o próprio paradigma tinha indicado caminho.» Kuhn, Thomas S (2009). “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, p. 134
As instituições de Poder (poder político, poder legislativo, poder judicial e poder regulador) num Estado de Direito Democrático só prevalecem enquanto foram entendidas como socialmente uteis pela sociedade organizada que servem. Socialmente úteis porque cumprem cabalmente os objetivos políticos e sociais para que foram criadas (por processos fundamentados em legitimidade revolucionária ou em legitimidade democrática ou – ainda – cumulativamente), resolvendo problemas políticos e sociais, promovendo a inclusão e a justiça social e sendo instrumentos de exercício de cidadania, quer no plano dos direitos quer no plano dos deveres inerentes ao mesmo.
As instituições de Poder que estruturam a nossa Democracia vivem hoje uma crise profundíssima que resulta da erosão do reconhecimento de utilidade social por parte da população em geral. A perceção generalizada é que essas mesmas instituições além de não resolverem qualquer problema, são parte do problema.
Uma Democracia escorada em instituições consideradas inúteis pela sociedade que enquadram é pouco mais do que uma democracia formal, correndo risco de ser, ela mesma, percecionada como inútil. Em certos aspetos uma democracia meramente formal é mais perniciosa para a saúde de uma sociedade que um ditadura assumida. Uma democracia formal, por regra, anestesia perigosamente (muitas vezes ao nível da “caprinidade”) os cidadãos; uma ditadura, pode catalisar impulsos cívicos de resistência, que criem condições objetivas para as revoluções instauradoras de democracias.
É essa caraterística anestesiante, que resulta do mero formalismo democrático, que nos leva a encarar com relativa normalidade factos extraordinariamente anómalos, como por exemplo o nosso parlamento ser uma espécie de prolongamento dos principais escritórios de advocacia do País, sendo assim um espaço de sediação dos interesses dos respetivos clientes, que as entidades judiciais, de regulação e de supervisão (incluindo ordens e associações profissionais e sindicatos) estejam, indecentemente, inquinadas pela partidocracia incompetente e cúmplice, e que a comunicação social esteja, na sua grande maioria, ao serviço de interesses muito pouco higiénicos do ponto de vista democrático.
Claro que de vez em quando há espasmos de revolta e a rua é, de vez em quando, transformada em palco circunstancial da mesma, mas é sempre uma revolta sem barricadas concretas e definidas e cuidadosamente “performativa”.
Este falhanço institucional não é um fenómeno novo em Portugal. Boas instituições formam-se com bons cidadãos, educados para saber servir (sem se servirem ou serem serviçais), conscientes dos direitos e dos deveres de cidadania, e dotados de sentido crítico.
Um sentido crítico que sucessivas reformas universitárias (onde a velha Escolástica foi sendo substituída, sempre, por novas Escolásticas, em que os saberes dos Descobrimentos eram despachados, com nojo e desdém, para a Europa do Norte) em que uma Santa Inquisição formatou sucessivas gerações de ignorantes, fanáticos e bufos (formato alegadamente cívico tão ao gosto da PIDE/DGS que permitiu quarenta e oito anos de ditadura supostamente – do ponto de vista comparativo – branda) foi completamente embotado.
Tudo isso fez nascer no Povo – em nós – uma espécie de atração/saudade permanente por Homens-Providência, que se tornassem eles mesmos instituições de amparo, provimento, segurança e autoridade. Colo e palmadas, disponibilizados com probidade e justiça. Amen.