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Carta Aberta a António Costa

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Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro, Dr. António Costa,

Sei que se encontra em gozo de férias, aliás, merecidas férias. Por isso peço desculpa por estar-lhe a interromper o merecido descanso mas julgo que o assunto merece uma atenção especial.

A actualidade dos últimos dias tem sido dominada pelas viagens feitas por três secretários de estado que integram o seu governo, a convite da GALP, para assistirem a jogos da selecção nacional, que brilhantemente conquistou o título europeu em França.

Desde a primeira hora que pedi as suas demissões. E não pedi por razões políticas. Pedi por razões de princípios e da ética.

Confesso-lhe que me preocupa estar a virar moda usufruir de mordomias sem direito ou fora do plano ético e dos princípios e depois repor as coisas com a devolução do dinheiro. Ou há princípios ou não há. Ou há ética ou não há. Os princípios e a ética são valores irrevogáveis não se repõem com a devolução de dinheiro.

Mas também considero que não pode existir dois pesos e duas medidas. Não pode o PSD atacar os governantes do PS quando alguns dos seus dirigentes do PSD tiveram alegadamente comportamentos idênticos.

A credibilidade conquista-se com a coerência, mas também separando de forma clara e vincada a política dos negócios.

E neste caso misturou-se tudo e mais alguma coisa. Os assuntos fiscais, com a energia, mais a internacionalização com os negócios privados da GALP. Estamos perante um cocktail explosivo que levanta dúvidas hoje e deixa marcas indeléveis para o futuro mantendo-se estes protagonistas em funções.

Por isso não posso concordar com o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Professor Augusto Santos Silva, quando ontem afirmou que o reembolso das despesas encerrava o assunto. Não encerra, nem encerrará. Até porque o Ministério Público está a investigar este caso sendo que o mesmo poderá até configurar a prática de eventuais crimes. Mas deixemos isto para a Justiça fazer o seu trabalho de forma tranquila e sem pressões.

Tratemos agora apenas da política.

Os seus três secretários de estado estão inequivocamente limitados nas suas funções por terem aceites os convites da GALP para assistirem aos jogos do europeu de futebol em França, de nada servindo agora devolver as despesas das viagens, alimentação e bilhetes que lhes foram oferecidos.

A única forma de minorar este latente conflito de interesses é V. Exa. determinar que estes três secretários de estado passam a estar impedidos, a partir do presente momento, de tomar quaisquer decisões relativamente à GALP, delegando V. Exa. essas funções noutros governantes.

Estimado António Costa, sabe melhor que eu, que à mulher de César não basta ser séria, também precisa parecer. E este caso é exactamente isso mesmo. Não pode permanecer a dúvida até porque fragiliza “ de morte “ a acção política dos três governantes.

Vamos agora ao anúncio que ontem o ministro Santos Silva fez relativamente à elaboração de um código de conduta para membros do governos e da administração pública para que não se repitam casos semelhantes.

Aqui estamos completamente de acordo. Felicito-o por esta iniciativa. É necessária transparência. É preciso separar claramente a política e os negócios. É urgente moralizar a vida política e pública.  Penso mesmo que já deveria existir um código de conduta e ética há muito tempo. Mas não pode ficar pelos governantes e pela administração pública. Terá obrigatoriamente que abranger também os deputados e os autarcas.

E digo isto porque estes abusos são cometidos por diversos deputados e por muitos autarcas, desde a pequena junta de Freguesia às maiores Câmaras Municipais, sendo que nestes casos muitas vezes não chegam sequer ao conhecimento do País.

Todos temos conhecimento que em muitas autarquias os autarcas e muitos funcionários usam os veículos do estado para os mais diversos fins pessoais.

Também todos temos conhecimento que alguns autarcas adquirem automóveis topos de gama sem qualquer justificação para esta situação. Arrisco mesmo a dizer que algumas Câmaras Municipais adquiriram e continuam a adquirir carros de valor superior ao automóvel usado pelo Sr. Presidente da República.

Mas também se formos aos estádios de futebol vemos muitos autarcas sentados nos camarotes presidenciais, a convite dos presidentes dos clubes, muitas vezes em completo conflitos de interesses. Isto para não falar dos muitos dias do ano que alguns autarcas passam no estrangeiro acompanhar equipas portuguesas, nos jogos das competições europeias e internacionais, com todas as despesas pagas pelos respectivos clubes, que mais não são que encapotados dias de férias.

É preciso, de uma vez por todas, colocar termo a estes abusos, incluindo a separação entre autarquias e clubes de futebol e os negócios.

Este código de conduta e ética pode servir de travão a muitos abusos e a alguns eventuais crimes cometidos quotidianamente por governantes, deputados, autarcas e funcionários públicos ou equiparados. Espero que este seja um caso em possamos dizer que às vezes há males que vem por bem.

Certo da sua melhor atenção ao acima exposto aproveito para lhe desejar a continuação de umas boas férias.

Aceite os meus cordiais cumprimentos.

Paulo Vieira da Silva

Nota: Enviei esta carta, através de email, para o Sr. Primeiro Ministro, António Costa.

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