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Quando as escolhas de uns podem ser imposições para outros

O que me leva a escrever este artigo prende-se com o fervor a que tenho assistido na comunidade internauta portuguesa no que concerne às decisões que o recém-presidente eleito tem levado a cabo.

Comparando com o cenário político português, esta realidade deixa-me ainda mais perplexa pois em Portugal já há muitos anos que há uma clara manipulação da informação mas até ao senhor Trump ter inventado o conceito de “fake news”, ninguém por cá se parecia importar com o facto de estar a ser manipulado mas há uma onda de reacções violentas imediata cada vez que alguma dessas “so-called fake news” é utilizada por algum “anti-Trump”.

Esta é outra das questões prementes e perigosas: ou se é pro-Trump, ou se é anti, tal como em Portugal ou se é de Esquerda ou se é de Direita. Fico com a sensação aterradora que o que era considerado “equilíbrio” hoje é rotulado de “politicamente correcto” e como tal é banido como se de algo infecto-contagioso se tratasse.

Mais uma vez e continuando a comparação, quando a partir de 2011 Pedro Passos Coelho quis implementar o seu Programa de Governo legitimamente sufragado nas urnas e ou porque a pressão dos sindicatos ou porque o Tribunal Constitucional não deixava que ele fosse implementado, a culpa era dele porque tinha obrigação de encontrar alternativas menos onerosas. Militantes, simpatizantes, apoiantes e discordantes de Pedro Passos Coelho bradavam impropérios cada vez que era (ou não era) implementada uma nova medida. Quanto em 2015 ele revalida a sua continuação como Primeiro-Ministro em sufrágio nacional e é alvo de um golpe palaciano perpetrado pelas “ Esquerdas”, os cerca de 2 milhões de portugueses que nele votaram assistiram calados e muitos ainda o criticaram durante cerca de um ano fizesse ele o que fizesse. Hoje Trump cumpre o seu Programa Eleitoral e toda a gente aplaude porque “ele está a fazer mais em 15 dias do que outros fizeram num mandato” ou “porque tem coragem de afrontar os interesses instalados” ou por mais um sem-número de desculpas que encontram para justificar os seus actos. E eu pergunto: então e onde andavam esses portugueses que não apoiaram Pedro Passos Coelho com a mesma veemência? Como se compreende que agora até insultem quem não partilha o mesmo ideário nacionalista e há um ano atrás não saíram à rua para repor a legitimidade democrática?

O senhor Trump achou por bem impor um ban à entrada de emigrantes ou de residentes nos EUA provenientes de 7 países que ele designou como perigosos até poder implementar um sistema de segurança que se mostrasse eficaz e protegesse o país de ataques. Obama já o tinha feito tal como Clinton já tinha construído cerca de 1/3 de muro com o México. Mas quem são estas supostas 109 pessoas? São só estas? São terroristas ou estão ligados a alguma célula? Estas perguntas tornam-se essenciais quando tanta gente tenta branquear esta medida.

Ora isso estaria muito bem se ele não o tivesse feito de forma covarde pois sabia que as pessoas estavam de férias ou fora do território e que não poderiam voltar a entrar mas “esqueceu-se” que essas pessoas têm família e empregos e compromissos e como tal não poderiam “desaparecer do mapa” mas ele achou que sim e vai daí assina a medida sem complacências.  Isto levou a que, por exemplo, as empresas de Silicon Valley – Apple, entre outras – que dependem não só dos trabalhadores como dos “cérebros” emigrantes já se tivessem vindo queixar e tenham saído em defesa dos seus trabalhadores e famílias.

Os tempos são diferentes, é certo. Há a ameaça constante do terrorismo mas eu nunca fui adepta de combater fogo com fogo e não considero que a hostilização seja a melhor solução. Para além disso, o senhor Trump, e os seus apoiantes nacionais e estrangeiros, deveriam lembrar-se que se a América é hoje a potência que é deve-o aos estrangeiros, à quantidade de cérebros judeus que recebeu refugiados da 2ª Guerra Mundial, dos chineses, dos russos e soviéticos, todos eles contribuíram para desenvolver a América e mais recentemente, os pais de Steve Jobs, por exemplo, eram sírios. Então se o senhor ainda fosse vivo, poderia hoje ser repatriado? De ambos os lados estamos a falar de Seres Humanos, é preciso ter bom senso mas como isso é coisa que o senhor não tem, então convém que quem o apoia não o perca sob pena de perder noção da realidade.

Eu sei que ninguém gosta de ver o seu território invadido por emigrantes que não são mais-valias, não têm estudos nem conhecimentos para desempenhar uma função, não falam a Língua, não têm os mesmos valores e cultura mas não deixam de ter os seus e não podemos entrar agora numa onda racista e xenófoba anti-muçulmana ou anti-islamita como Hitler com a raça ariana e anti-semita nos idos anos 30. É preciso que se pare para pensar que foi assim que Hitler e Mussolini cresceram na auto-estrada do Poder e essas pessoas que hoje defendem Trump, e ainda para mais não sendo americanas – e lá a contestação é muita até porque ainda há quem tenha conhecimento e respeito pela História – não caia nesse pendor nacionalista de onde não advirá nada de positivo.

Portugal vai pagar uma multa, mais uma, à União Europeia e desta vez por ter sonegado informação quanto a cidadãos muçulmanos. Há, finalmente, uma política de partilha de informação no seio da União para que possa haver uma efectiva colaboração nesta matéria. É inadmissível que a Espanha ou Portugal ou outro qualquer estado-membro detenham informação sobre terroristas e esses mesmos indivíduos levem a cabo um atentado na França que não detinha essas informações e como tal não pôde actuar atempadamente – digo isto a título de exemplo somente.

O senhor Trump quer fazer a diferença nesta matéria? Então faça as coisas como deve ser: partilhe informações com os outros países e coopere, ponha o Daesh ou os Estados muçulmanos a pagar a operação e corte-lhes as comunicações, faça com que os magnatas do petróleo norte-americanos deixem de os financiar e aí vai ver como vai ser muito mais fácil encurrala-los.

Banir cidadãos sem provas de um País ao qual eles se dedicaram e onde tiveram uma conduta livre de percalços é não só uma prova de total frieza e desumanidade como é de total falta de respeito para com o próximo. Eu gostaria que quem o apoia ferozmente pensasse não em termos económicos – não é a minha área de especialização mas estou em crer que só se ele puser outros a pagar isto tudo ou se pagar do próprio bolso é que isto não vai ter consequências graves para a Economia americana porque para atingir o que ele quer são precisos vários milhares de milhões e como em tudo, o retorno só chega à posteriori e ele já deve ter os consórcios prontos a avançar – antes de ter lucro, vai criar muita despesa. O que vale é que as agências não lhe cortam o rating e o FED continua a poder imprimir moeda.

Nós, cidadãos ocidentais temos que perceber duas coisas: em primeiro lugar, nem todos os muçulmanos são islâmicos radicais e em segundo lugar, nós não crescemos nos mesmos preceitos que eles e vivemos uma época diferente. Não digo que tenhamos que ser complacentes e baixarmo-nos ao dominó deles, longe de mim mas temos que ter capacidade para na heterogeneidade buscar soluções pois não há país nenhum no Mundo que possa seguramente afirmar que em momento nenhum da sua história não sofreu miscigenação, os portugueses foram aliás dos povos que mais contribuíram para esse fenómeno em todos os territórios que colonizaram.

Portanto convém que antes de bradarmos “aleluias” com a chegada do Messias, a memória do povo é tão curta que se esquecem que o agora odiado Obama também foi visto como o Messias quando concorreu pela primeira vez à Casa Branca, devemos olhar para a nossa História e acima de tudo para o estado calamitoso em que se encontra o nosso país e já vamos ter muito com que nos preocupar.

Neste momento da História mundial em que os políticos e as politicas estão desacreditados, qualquer pessoa que venha a terreiro dizer meia-dúzia de frases soltas emblemáticas e use meia-dúzia de chavões que o povo quer ouvir corre sérios riscos de ganhar eleições nem que depois aconteça o que já se vê na América que é o arrependimento pela escolha que se fez porque “não se pensava que fosse ser assim”.

O ser humano, e o português especialmente, tem sempre aquela irritante esperança que não seja tão mau. Marcelo não ia ser tão mau, até ser. Costa não ia ser tão mau, até ser. Só o desgraçado do Passos Coelho é que conseguiu ser sempre pior do que se imaginou – curiosamente foi o único que fez e fará alguma coisa de jeito – e portanto ainda corro o risco de ouvir eleitores sociais-democratas portugueses a dizer que afinal “ a LePen não é assim tão má”…até ser.

Eu aconselho cautela face ao discurso fácil mas acima de tudo face ao insulto fácil. Hoje em dia, com os conceitos de verdade absoluta, pós-verdade e única verdade é demasiado fácil toda a gente ser dona de um bem tão precioso. Ninguém é dono da Verdade, ninguém diz Verdades absolutas e acima de tudo, quem não concorda connosco tem direito a isso. Uma pessoa pode e deve pensar de forma diferente e deve ter liberdade para o dizer, de preferência desde que consiga fazer um raciocínio articulado e explicativo da sua discordância.

Eu sempre defendi que em Portugal o PSD devia aprender as técnicas comunicacionais do PCP – o PS aprendeu e bem e tem tirado bom proveito dessas lições – mas espero que sejam essas as únicas lições que aprendam porque o mundo onde se convencem as pessoas de que há cabalas contra o Poder, que há manipulação clara da informação e onde a liberdade das pessoas se compromete severamente a partir do momento em que é discordante da maioria tem um nome e uma cor – Comunismo, vermelho e não é isso que eu quero para o meu país. Eu quero continuar a viver num país livre, onde posso discordar fundamentadamente e onde não sou insultada só porque assumo uma posição discordante da vigente.

Tenhamos cuidado e não nos deixemos contaminar. O Messias, se alguma vez veio foi há 2017 anos atrás e só cá voltou uma vez e foi sete dias depois de ter partido e desde aí não nasceu mais nenhum. Não é incitando ódios que atingimos a tranquilidade e não é construindo muros – físicos, ideológicos, de pensamento ou linguísticos – que vamos conseguir evoluir por isso onde outros constroem muros, construamos pontes.

Onde outros impõem a escuridão, ajudemos a que chegue a luz e o diálogo pois esse sim, é o caminho da evolução. Vivemos tempos difíceis e os que aí vêem não serão mais fáceis portanto façamos a nossa parte e não criemos mais dificuldades a uma Liberdade que não nasceu com muitos de vós, que nem tão poucos assim foram necessários para a conquistar. Prezemo-la porque ela não é infinita e muito menos garantida por decreto.

 

Luisa Vaz

(a autora não usa o Acordo Ortográfico)

 

 

 

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