Enquanto temos mulheres e homens que lutam, durante anos sem fim, nos tribunais pelo direito a poderem ser mães e pais, temos outros que matam os seus filhos não passando de psicopatas puros que deveriam apodrecer na cadeia.
Tudo começa, em regra, na sequência de divórcios ou separações litigiosas em que um dos progenitores não aceita a decisão legítima do outro progenitor em dar um outro rumo à sua vida iniciando-se, desta forma, um processo de degradação acelerada na relação entre os pais em que as principais vitimas são os filhos que em nada concorreram para este desenlace.
O divórcio não significa a extinção da família, mas antes uma reorganização e reestruturação de novas dinâmicas familiares, com diferentes graus de complexidade e adaptação para cada um dos seus membros. (Rosmaninho, 2010)
É assim dever de ambos os progenitores assegurarem de forma efectiva que este período de transição decorra com normalidade de modo a ter o menor impacto emocional na vida dos filhos.
Infelizmente nem sempre assim acontece. Alguns progenitores usam os filhos, os mais frágeis e indefesos, como arma de arremesso e vingança como compensação das suas frustrações pessoais ou conjugais.
Recordo que Dalmo de Abreu Dallari e Janusz Korczak defendem que “Toda criança é um testemunho da eternidade, uma certeza da renovação da vida, a portadora de um mistério. A criança é sempre um recomeço da humanidade uma nova partida rumo ao infinito, uma parcela do espírito humano que poderá ser o repositório de uma nova mensagem ou o nascedouro de um novo tempo para todos os seres humanos. Toda criança é um ser humano, fisicamente frágil, mas com o privilégio de ser o começo da vida, incapaz de se autoproteger e dependente dos adultos para revelar suas potencialidades, mas, por isso mesmo, merecedora do maior respeito.”
Respeito este que deve começar pelos pais que deverão pensar sempre no superior interesse dos seus filhos sabendo que serão sempre as suas principais referências e os seus maiores exemplos de vida.
Os instrumentos usados, não raras vezes, pelos progenitores que vivem processos de frustração em consequência do fim não desejado de uma relação ou casamento traduzem-se na interferência da formação psicológica do menor podendo tratar-se em casos graves como um abuso moral por quem o pratica enquadrando-se no âmbito dos maus-tratos psicológicos.
Isto, não é, nem mais, nem menos que um processo de alienação parental.
Um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-01-2010, considerou “…o designado Síndrome de Alienação Parental, como um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e confiança da criança, caracterizado por um conjunto de sintomas resultantes do processo em que um progenitor transforma a consciência do seu filho, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir os vínculos da criança com o outro progenitor …”
Um outro Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.07.2014, diz-nos que “… a denominada Síndroma de Alienação Parental (SAP) caracteriza-se pela interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, levada a cabo ou induzida por um dos progenitores, outros familiares ou mesmo terceiros que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, no sentido de provocar uma quebra ou dano relevante nos vínculos afetivos próprios da filiação existentes até então entre o filho e o progenitor visado, sem que para tal haja uma justificação moral ou socialmente aceitável …”,
A alienação parental é uma forma injustificada, injusta e inqualificável de privação afectiva da criança, compreendendo um comportamento intencional de manipulação da vontade da criança intentado por um dos progenitores com o propósito de romper os laços afectivos do filho com o outro progenitor, privando a criança dos afectos, cuidados e convívios assente num exercício egoístico e egocêntrico do progenitor alienante que pretende o exercício da parentalidade, em modo de exclusividade.
Não há dúvidas que estamos perante maus tratos psicológicos infligidos sobre uma criança que é sempre indefesa.
Estes comportamentos promovem uma parentalidade maligna e desestruturante que afecta as relações familiares causando roturas no convívio da criança com um dos seus progenitores e demais família, representando estes comportamentos um desrespeito pela liberdade de afectos, pela instituição “Família”, pela estabilidade, pela manutenção dos laços familiares e pontos de referência que são direitos fundamentais e inalienáveis da criança. (Molinari & Trindade, 2014)
Não podemos perder de vista que os processos de alienação parental são casos casos de violência doméstica.
Neste processo de alienação o filho assume muitas vezes a postura de submissão às determinações do progenitor alienador, que exige ser escolhido como o ideal. O filho teme desobedecer e desrespeitar a esse ideal porque tem noção que a aproximação ao seu outro progenitor poder-lhe-á custar as cominações do progenitor alienador.
Na alienação parental a fidelidade ao alienador implica a perfídia ao alienado, sendo que o filho sofrerá continuamente numa situação de subordinação e adscrição nomeadamente pelo medo de ser abandonado, pois, a sua maior ameaça afectiva é a de perda do amor dos pais.
Nestes processos, muitas vezes, o progenitor alienador inculca na criança falsas existências e personagens, implantando, assim, as chamadas “falsas memórias” no filho alienado. A criança não consegue percepcionar que está a ser alvo de manipulação acabando por acreditar no que lhe foi dito de forma insistente e reiterada. (Dias, 2010; Trindade, 2014)
Neste nível de elevada conflitualidade, o filho é constrangido a ter que optar entre um dos progenitores, o que está em absoluta desarmonia ao seu desenvolvimento equilibrado, normal e salutar. (Molinari & Trindade, 2014)
Um manipulador manipula um dia, um mês, um ano. Ou melhor manipula o tempo que tiver disponível para atingir os seus objectivos egoístas.
A alienação parental tem efeitos devastadores para a criança, em razão da perda de contacto com um dos seus progenitores sendo essa perda comparável com a morte de um dos seus pais, dos avós ou de um amigo próximo, tendo consequências nefastas na vida da criança que poderá desenvolver problemas psicológicos ou psiquiátricos que poderão causar transtornos emocionais na saúde da criança produzindo efeitos para o resto da vida.
Nas crianças que sofrem de Alienação Parental aparecem associados a esta problemas como a ansiedade, o medo, a insegurança, a dupla personalidade, o comportamento hostil, a rejeição ou a depressão.
Em consequência disto a criança apreende comportamentos desviantes como a manipulação de pessoas e situações, a mentira compulsiva e a apresentação de falsas emoções.
Não posso terminar sem recordar a definição que saiu da Conferência de Istambul sobre Violência Doméstica. A declaração final define-a como todos os actos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família defendendo medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalização da conduta de quem intencionalmente lesar gravemente a integridade psicológica e física de uma pessoa.
Porém no caso da Alienação Parental estamos a falar de crianças completamente indefesas, totalmente dependentes e de uma enorme fragilidade emocional.
Infelizmente a Valentina morreu às mãos de um pai psicopata. A Valentina era uma criança indefesa como são todas as crianças. Não sei se foi vitima de alienação parental mas sei que foi vitima de um crime de violência doméstica.
Outras crianças como a Valentina não morrem às mãos dos seus progenitores mas vivem durante a sua infância e adolescência num ambiente de maus tratos e terror psicológico nas mãos de mães e pais alienadores que usam e abusam dos seus filhos como armas de arremesso na persecução egoísta dos seus objectivos de vingança.
Infelizmente muitas crianças são vitimas indefesas de violência doméstica praticados durante anos a fio, em muitos casos muito mais graves que aqueles que envolvem os adultos.
Perante a imobilidade do legislador e, consequentemente da Justiça, considerando o número crescente dos casos de Alienação Parental que afectam a vida para sempre, quer da criança, quer do progenitor alienado, é imprescindível consagrar no ordenamento jurídico medidas sancionatórias da prática de actos ou omissões que conduzam a Alienação Parental.
Por todas estas razões urge que o legislador classifique a Alienação Parental como um crime público integrado no Código Penal punido com sanção grave de natureza penal. Ontem já era tarde.
Gestor de Empresas – Licenciado em Ciências Sociais – Área de Sociologia
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Nota: Este texto é uma adaptação de um meu artigo publicado no dia 2 de Abril de 2019 no Portal de Notícias Impala