Blogue Insónias

A Quimera

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Recentemente descobri que tenho dois Presidentes de Câmara. Ora, enquanto em alguns concelhos se debate onde está o Presidente da Câmara, nós temos dois. Temos o Presidente de Câmara com asterisco – e eu leio sempre os asteriscos, não me apanham outra vez num pacote de dados que funciona às terças e quintas número ímpar e se o vento for de norte – que prima por citar a constituição (atenção aos asteriscos) e pelo seu desprezo das redes sociais, e o cidadão exactamente com o mesmo nome do presidente, que não só é grande adepto das redes sociais como as usa para criticar política – especialmente, para desabafar publicamente sobre más opções que tomou enquanto exercia um cargo político. Confusos? Eu também, mas felizmente temos minis em Gaia. Começo com uma palavra de apreço e suporte ao cidadão Eduardo Vítor Rodrigues – todos nós já tomamos más opções na vida, e é de – genuinamente – admirar o homem que não só identifica onde errou, mas porque errou. E aproveito também para lhe dizer que, apesar da sua área (segundo a Wikipedia) ser a Sociologia, o seu domínio de linguagem de estivador é exímio. Transportou-me no tempo, para os mercados de outrora. Não que os tenha visto, mas já comecei isto das redes sociais há algum tempo, e aproveita-se sempre algo daqueles posts do género “no meu tempo é que era”. Congratulo-o também pelo discurso forte e coerente enquanto cidadão – quem de nós nunca teve um subalterno que afinal só gastava oxigénio e nos andava era a fazer a folha? Mas ficou-me a dúvida se a pessoa em questão (que curiosamente não faço a mínima ideia de quem seja, mas até adivinho, porque ainda vou lendo umas coisas nas redes sociais) foi despedida por assédio sexual, traição política, ou por inépcia/incapacidade lesar o erário público com a sua presença. Poderá ser uma diferença subtil para as gentes das universidades, mas importante para mim. É que a mim, que nem tenho nada que ver com universidades e Sociologia, incomoda-me que alguém que tenha enveredado por uma carreira na àrea das “ciências humanas” (a quotização é mesmo defeito de personalidade), se sinta tão agredido com o descortinar, tardiamente, algo num subalterno que, afinal, são dois dos mais básicos instintos humanos – o instinto de auto-preservação e o de agradar. Eu com quatro minis explicava isso em menos de meia-hora, e o cidadão ficava esclarecido.
Já o Exmo. Sr. Presidente Da Câmara (permite-me que o trate por Eduardo Vítor Rodrigues? É que para mim é confuso), espero do fundo de coração que não leia o post nas redes sociais escrito pelo seu homónimo. Não só porque são feitas críticas veladas a nomeações suas para cargos políticos (pronto, uma – eu usei o plural para dar mais ênfase – já agora, o seu homónimo tem razão? ele era mesmo um incompetente? E porque não ficamos a saber disto nas virtuosas páginas do JN?), e não só descreve em detalhe a ignomínia da personagem, como tem a infâmia de o fazer numa rede social que me remete para o seu mui estimado artigo ainda não há muitos dias (citando) [Esta é a estratégia de jogo preferida dos (autoproclamados) “fazedores de opinião”, dos aspirantes a comentadores de telejornal, dos narcisistas dos blogues e, mais recentemente, dos pastores de Facebook]. Não sei bem o que os pastores de Facebook fazem, assumo que evitem que determinados posts sejam partilhados para não ferir susceptibilidades pré-eleitorais ou algo assim, mas gostei do texto e acho que fica bem. E o seu homónimo – e muito bem – a serem verdade os factos que indica – defende o direito ao bom-nome e a decisão tomada (lamentavelmente sem recorrer à Constituição, certamente não leu o artigo do JN). Ficamos então a saber que o seu homónimo, enquanto detentor de um cargo político, não só se sente ultrajado por isto da política não ser só rapaziada de boas intenções e as andarem a fazer pelas costas (o que é compreensível, dada a formação em Sociologia – essa malta tem sempre boa opinião de qualquer pessoa), mas por sentir necessidade de explicar em público e a título pessoal uma decisão tomada como líder, por talvez sentir necessidade de justificar a sua opção. Certamente que o Eduardo Vítor Rodrigues consegue explicar ao seu homónimo que isto de lavar a alma assim em público, (sem asteriscos), apesar de ser um acto de rectidão e coragem, não fica bem, por muito que se aproxime a linguagem do ambiente de tasca. E também seria interessante que, quando alguém desabafa (com toda a liberdade a que tem direito) sobre a dificuldade de um cargo governativo, se lembrasse que existem milhares de cidadãos que, por muito menos, têm que aturar colegas de trabalho sacanas (e até o pontual funcionário de Câmara) e não podem correr com eles. Eu também tenho que reconhecer que provavelmente fui injusto no meu artigo anterior – entre lavagem de roupa suja em público e selfies de Metro, que venha o Andante. A foto até não estava assim tão mal.

Nota: Foto de capa por Saiko, licenciada sob CC BYSA3.0

http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0

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