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2017: Fazer política é outra coisa

Há muito tempo que defendo que as mudanças políticas que são urgentes têm o sistema partidário como pano de fundo, mas também a forma como elegemos e responsabilizamos quem gere o interesse público. Essas mudanças não se limitam a pessoas, nomeadamente a pessoas que têm percursos de vida iguais aos que agora estão de saída. Na essência, os partidos estão aprisionados por interesses de todo o tipo e já mostraram, na sua generalidade, que não são capazes de promover políticos capazes de romper com o que verdadeiramente tem impedido este país de se desenvolver: a teia de cumplicidades que os partidos do arco da governação desenvolveram, e alimentam, desde o 25 de Abril. Com resultados desastrosos, acrescente-se. Os partidos são essenciais à democracia, pelo que solicito que não confundam o que digo com algum discurso anti-partidos. Penso é que devem ser desafiados por fora, é essa a única forma de mudarem. Por isso vejo com muita simpatia os movimentos de cidania que, um pouco por todo o país, começam a nascer.

Aquilo que a generalidade dos políticos fazem – há exceções, felizmente, não são todos iguais -, e são bons nisso, não é política, mas antes é arte de saber lidar com a complexa máquina de compadrios em que se transformou o regime, com as suas próprias alternâncias e tradições. Fazer política é outra coisa. Tem de ser o resultado de uma prática idealista – querer mudar o mundo -, sem deixar de ser pragmática e realista. Tem de ter um propósito maior e impacto na vida dos cidadãos. Tem de ter risco, antecipação, estratégia, visão, estar com os pés bem assentes na terra, mas ser sempre guiado por um comportamento ético irrepreensível. A política não pode valer a pena pelo que retribui a quem a exerce, mas antes pelas modificações e transformações de que formos capazes. Tem de ser exercida por uma maioria de pessoas que têm da sua circunstância pessoal um desprendimento muito evidente. Fazer política é ter a vertigem do risco e viver como se pensa, sem pensar como se viverá.

Muitos dirão, e eu já o ouvi muitas vezes, mas assim não chegamos (não chega) a lado nenhum. As mudanças fazem-se por dentro, depois de se ascender aos lugares e exercendo o poder.

Respeito, mas discordo. Acredito em mudanças serenas, apoiadas em ideias e projetos concretos, numa agenda de mudança que tenha objetivos bem definidos e em planos bem estudados. Acredito que isso movimenta as pessoas, lhes devolve a esperança e permite juntar competências de vários setores: isso é essencial para projetos mobilizadores. Tenho a certeza que não há mudança sustentável sem esperança e não é possível mobilizar o país de outra forma. O poder só vale a pena se tiver como objetivo mudar, lutar pela liberdade concreta, pela igualdade e pela qualidade de vida dos concidadãos. E tem de estar firmemente assente numa vontade férrea de construir o país que desejamos. Obtido de qualquer outra forma não tem potencial de mudança, ou tem potencial muito reduzido, porque esse potencial foi hipotecado pelos métodos usados no processo de chegada ao poder. São estes métodos que afastam os cidadãos da política, a descredibilizam, e justificam o afastamento de muitos daqueles que poderiam ajudar país, dando o seu contributo passageiro à causa pública, mas decidem não o fazer.

O que eu gostaria que acontecesse em 2017, um ano muito complexo para Portugal, era que todos nós ganhássemos consciência da participação cívica, do envolvimento na avaliação e responsabilização da intervenção política e valorizássemos, com a nossa participação e intervenção, aqueles que de alguma forma têm uma atitude diferente.

Desejos de um excelente 2017.

 

(Publicado no Diário As Beiras de 30 de Dezembro de 2016)

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